segunda-feira, 20 de outubro de 2014


                    O NOVO CALENDÁRIO LUTÚRGICO NEOPENTECOSTAL
 
É uma prática corrente em determinados segmentos evangélicos fixar uma espécie de ano litúrgico. Este ano litúrgico cria um calendário bastante claro e objetivo. A partir de uma “revelação” dada ao apóstolo ou bispo, nomeia-se uma personagem bíblica cuja história servirá de inspiração aos fieis. Daí a cúpula da denominação estabelecer que este será o ano de Gedeão, o ano de Elias, o ano de Davi etc. Pensando nesta prática, pus-me a refletir acerca dos desdobramentos intrínsecos a isto, e logo me dei conta de sua inconsistência.
Entendamos melhor em que consiste um calendário desta natureza. Um ano de Josué seria marcado pela queda de grandes muralhas, pela conquista de uma terra fértil e a travessia do rio Jordão. Disso decorre que, ao longo do período determinado, os que crerem verão muralhas despencarem diante de si.  A problemática daqui decorrente refere-se, primeiramente, a uma questão de identidade. Bem nenhum de nós é Josué! Cada indivíduo possui a sua própria história e tomar para si aquela que foi de outro consiste, necessariamente, em sua própria desfiguração individual. A medida da graça de Deus revelada a Josué não deve ser a mesma que me contemple.
Chama-me ainda a atenção a relação que os fieis estabelecem, ainda que de forma inconsciente, com as personagens bíblicas nomeadas. A começar pelo fato que o ano é fixado a partir do nome da personagem escolhida e não pelo seu Deus, a quem se deve determinada benesse. A relação que os fieis dessas comunidades passam a ter com as personagens bíblicas faz delas uma espécie de neopadroeiros dos novos evangélicos. Quando nos deparamos com “o panteão dos padroeiros do calendário litúrgico neopentecostal”, podemos constatar traços bastante comuns. Normalmente, a personagem bíblica escolhida vivenciou um contexto bastante adverso. O cenário sobre o qual desenrola sua história é de um quadro de hostilidade humanamente irreversível. Gedeão jamais venceria um exército tão numeroso quanto o madianita com apenas trezentos homens. Josué não teria conquistado Canaã apenas rodeando as muralhas de Jericó e tocando trombetas. Quanto maior o grau das impossibilidades maior a atração que estes cenários exercem sobre os grupos em tela. A considerar apenas estes elementos, e são praticamente eles que alimentam as esperanças dessas comunidades, qualquer herói hollywoodiano substituiria facilmente sua ideia de Deus. 
Em segundo lugar, um calendário desta natureza deixa de fora quase todas as personagens dos evangelhos e, por conseguinte, a perspectiva da graça de Deus atuando por meio do Cristo Encarnado. Neste sentido, o próprio Cristo torna-se desinteressante, pois, ao contrário dos grandes nomes do Antigo Testamento, ele morre sob o signo do anti-herói. Sua pessoa não serve de inspiração a Judá, muito menos irá encorajar seus coevos a voos de emancipação nacionalista. As personagens veterotestamentárias povoavam o imaginário nacional hebreu, expressão de uma puerilidade religioso-política cuja leitura encontrará outras ressonâncias a partir do advento de Cristo. Não me desvencilho da ideia de que este calendário neopentecostal simplesmente ungiu esta necessidade hollywoodiana de heróis.       
Em terceiro lugar, este calendário repete um modelo de se conceber a história a partir de um movimento cíclico. Os antigos gregos já pensavam as coisas assim. Nietzsche retomou esta filosofia da história e a celebrou, com elementos próprios da modernidade, em seu eterno retorno. O eterno retorno nietzschiano consiste na negação de qualquer perspectiva metafísica ou apocalíptica da história.
Mais ainda, lançar mão deste modelo a partir de personagens do Antigo Testamento vai na contramão da própria concepção rabínica de história. A teologia da história judaica adotou um modelo linear, e não cíclico. Há mais esperança messiânica no modelo de história rabínico que no pessimismo paganizado dos neopentecostais.  
Fica evidente também o quanto que tal calendário litúrgico parte da concepção de um Deus facilmente programado. Consiste em dizer que, dado o padroeiro daquele ano, a ação de Deus estará circunscrita à forma com a qual ele agiu na vida da personagem escolhida.  
Noto ainda que, ao menos não tenho conhecimento do contrário, normalmente se escolhem aqueles personagens cuja história de vida toca no espetacular. Nunca me deparei com uma denominação que estabelecesse que aquele seria o ano, por exemplo, do bom samaritano. Deus não derrubou nenhuma muralha na vida deste homem, muito menos lhe abriu um mar para atravessá-lo a seco. Contudo, ainda que não tenha sido objeto da graça de Deus, o bom samaritano foi seu agente, foi veículo do carisma divino.            Em que se estabeleça no calendário litúrgico da igreja o ano do bom samaritano, toda a comunidade se veria diante da necessidade de praticar uma boa piedade cristã.
Poderia também ser proposto o ano de Zaqueu. Assim, ficaríamos incumbidos de ressarcir aos demais todas as nossas dívidas. Pais pagariam aos filhos atenção e carinho que lhes negaram. Filhos perdoariam seus pais por não terem resistido aos arroubos da histeria e neurose pós-modernas. Nossa fome voraz pelo acúmulo de bens e posses daria lugar a partilha e comunhão da mesa. Haveria um contraste gritante entre o coletor de impostos redimido e “a unção da propina”, ou “teologia da corrupção”.
Quem sabe ainda nomearíamos o ano de Simão de Cirene, e tomaríamos uma cruz alheia como se nossa fosse. Isto sem promessa alguma de recompensa, ainda que não soubéssemos que sob os andrajos e o corpo lacerado de um condenado se escondessem o Céu e toda a eternidade.  
Mas nomear determinadas personagens que tiveram com Cristo um contato real parece ser desinteressante. Primeiramente porque, ao invés de obrigar Deus a realizar o maravilhoso em nós, tornamo-nos veículo de graça aos demais. Ora, não foi isto que aconteceu com o bom samaritano, Zaqueu, Simão de Cirene e tantos outros. Entretanto, isto exigiria de nossa parte uma piedade cristã desinteressada e, consequentemente, desinteressante àqueles que reduzem a fé à mediocridade de seus próprios interesses.
 
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio     
 
 

terça-feira, 23 de setembro de 2014


DAVI E A SÍNDROME NEOPENTECOSTAL DAS ESTATÍSTICAS
 
O texto que hoje evocamos para nossa reflexão encontra-se entre os registros reais acerca da figura de Davi. Se hoje estamos tão acostumados, ao menos com o uso da locução, com as crônicas policiais, o texto das Escrituras coloca-nos diante de uma crônica mais elevada: as crônicas reais.
O episódio fala de um senso determinado pelo rei Davi, que ordenava a Joab, membro do Estado-maior de seu exército, que numerasse o povo. Embora Joab advertisse o rei quanto à natureza pecaminosa daquela empresa, Davi manteve-se irresoluto diante de sua decisão. Que o cronista interpretou aquela medida adotada por Davi por uma via negativa não resta dúvida. Caberia, portanto, compreender as razões que pesavam contra o senso empreendido pelo grande monarca judeu. O comentador do Antigo Testamento Estevão Bettencourt aventa duas possíveis explicações para a repulsa daquela medida administrativa. Ouçamo-lo:
 
Para os orientais, um recenseamento significava ato de arrogância do homem frente a Deus, pois implicava a intromissão da criatura num domínio reservado ao Criador só-o da multiplicação dos seres vivos [...] Mais ainda: tendo Deus prometido a Abraão posteridade inumerável, um recenseamento do povo tomava facilmente o aspecto de verificação do dom de Deus, ditada por falta de confiança (Para Entender o Antigo Testamento.1965, pg.183).
 
 Consideradas estas duas possíveis interpretações acerca do recenseamento empreendido por Davi, seu pecado oscilaria entre a soberba e a incredulidade. Sente-se autorizado em ingressar num terreno próprio de Deus. Quantificar seres humanos implicaria em pôr termos no próprio poder gerador de Deus. Por outro lado, o rei folheava a história buscando saber se as promessas divinas se perderam ao longo do tempo.
Os números finais da pesquisa determinada por Davi ainda poderiam potencializar-lhe outras fraquezas. Feito o recenseamento, chegou-se ao número de um milhão e cem mil homens aptos para a guerra em todo o Israel. Em Judá o reino ainda podia contar com quatrocentos mil homens capazes para a beligerância(I Cr 21.5). Um exército tão numeroso poderia insuflar na alma do rei a sensação de um reino intangível, inabalável, indestrutível. Tal imagem parece absolutamente contrária à épica história de Davi, que conquistou o trono com homens marginalizados, sem nenhuma formação militar. Foi alistando indivíduos desqualificados, endividados e tidos como os “fora-da-lei” que Davi constituía, ao longo de suas andanças, o capital humano necessário para ascender ao trono. A graça de Deus suprimia as carências e limitações que lhe se impunham.
Contudo, o pastor que um dia se tornaria rei contava com a mão providencial de Deus. Agora, talvez por não mais recordar os caminhos que o levara até ali, Davi sente-se confortável simplesmente por ter formado um poderoso exército. Ledo engano, o tempo lhe mostrará, uma vez que em breve ele será vergonhosamente destituído do trono e humilhado pelo próprio filho, Absalão.        
O ato real não agradou o Senhor, que desferiu um duro golpe sobre o povo de Israel. Um anjo se pôs a dizimar milhares de súditos que pertenciam ao reino davídico. Julgaríamos hoje o castigo injusto, uma vez que o percalço de um rei culminou no sofrimento do povo. Porém, em nada o texto parece forçoso. Ora, de há muito que uma administração pública impiedosa faz sofrer, principalmente, aqueles que devem ser a razão de qualquer estadista: o povo. O episódio fala muito mais à natureza de nossas ações que à ação de Deus diante delas. As consequências de nosso pecado pesam sobre nós, mas também sobre muitos outros que nos acercam.
E tudo irrompe desta fixação do monarca pelos números. Não vemos Davi montando uma estrutura pública a fim de pesar a miséria econômico-social de seus governados. Sua preocupação não está acentuada sobre as necessidades de seus súditos. Seres humanos com toda aquela carga de carências próprias à condição são reduzidos a números que, dada sua extensão, servem apenas para aquiescer com o coração vaidoso de um governador. Homens e todas as suas paixões são reduzidos às frias unidades numéricas.
Não seria desarrazoado encontrar na liderança evangélica atual ressonâncias deste apego ao quantitativo. Não existe hoje uma preocupação com a formação cristã genuína, que leve o discípulo a seguir os passos de seu Redentor. Em nome de um evangelismo que nada mais faz senão ungir o projeto expansionista de líderes que, em nome de Deus, buscam construir impérios neste mundo, o cristianismo vai, paulatinamente, abandonando o Cristo peregrino das páginas esmaecidas do Evangelho pelo Cristo Pantocrátor da pós-modernidade. A nossa caricatura sequer tem o esplendor estético da imagem que adornava a cúpula das antigas igrejas bizantinas.
Por conseguinte, a igreja evangélica, principalmente em nosso país, acaba se perdendo na burocratização própria de uma empresa. Sua obsessão por estatísticas não nos deixa mentir, e os consequências que daí advêm são muitas. O IBGE neopentecostal coloca o líder eclesiástico a par das dimensões de seu império. Quando os números não corresponderem às suas ambições, ele logo procura rever seus caminhos, descartando aqueles que supostamente não estejam dando certo. Paira sobre este líder certa sensação de insucesso, uma vez que a bitola com a qual mede sua relação eclesiástica é a mesma dos grandes empreendedores. O que busca é sucesso nos negócios, e não fidelidade àquele que o salvou e servir zelosamente àqueles que o Senhor lhes confiou. Se as estatísticas não o satisfazem, troca-se o produto por outro que tenha maior procura. Os modismos decorrem desta necessidade de ampliar o número de membros. Com isto a Igreja cria seus próprios caminhos, dando às costas àquele que deveria ser seu único caminho: Cristo.    
 
 
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio    
              
 

domingo, 31 de agosto de 2014


AINDA QUE MUDEM OS CENÁRIOS, A PALAVRA PERMANECE A MESMA
 
O texto que hoje recorremos nos reporta à figura do profeta João Batista, e ele está inserido no início do Evangelho segundo escreveu Marcos (1.1-6.). Predito no Antigo Testamento como aquele antecederia o advento do Messias, João Batista exerceu seu ministério à margem do grande centro religioso judaico: Jerusalém. A importância de sua missão fora reconhecida pelo próprio Cristo, que acerca dele afirmou ser o maior profeta nascido de mulher. Não obstante a relevância do papel que lhe cabia na manifestação do Reino de Deus, o ministério de João desenrola-se com certa discrição. Ainda que gozasse de certa popularidade, contudo estava ausente dos grandes eventos político-religiosos do povo judeu. Não o vemos postado diante do Templo em dia festivo, exortando as autoridades religiosas de Jerusalém. Talvez já pressentisse que o Messias não se manifestaria primeiramente ali, mas às margens do Jordão encontraria seu precursor. O Espírito Santo já lhe antecipara acerca de uma pomba que adejaria sobre o Redentor naquele mesmo lugar.
Suas desavenças políticas foram se dando quase que casualmente; seus caminhos cruzam com os de Herodes, e ele não hesita em denunciar o estadista quanto sua conduta adulterina. Para tanto, ele não precisa ir ao palácio de Herodes afrontá-lo por conta de seus descaminhos imorais.
Chama-nos a atenção a geografia, o espaço ocupado por João Batista. Suas alparcas não palmilham as ruas pavimentadas de Jerusalém, ou os corredores do palácio herodiano construído segundo o modelo da arquitetura grega.  Sua existência desenrola-se quase que inteiramente longe das agitações político-religiosas de Jerusalém, e da devassidão hedonista cultivada nas rodas herodianas. O cenário sobre o qual este profeta exerceu seu ministério era o deserto. Sobre este aspecto, gostaria de tecer um breve comentário.  
Outros profetas que antecederam João pregaram em palácios e no Templo. Dentre eles encontra-se Isaías, homem ligado à corte que, por descender de família real, tinha livre acesso à presença do rei. Jeremias imiscuía-se entre os peregrinos e, nos átrios do Templo, bradava contra a impiedade ali praticada. Amós exerce seu ministério em meio aos homens do campo. Ezequiel fala em meio à classe “operária” dos exilados na Babilônia. João Batista, ao contrário de muitos de seus antecessores, prega no deserto.
Porém, mesmo em lugares tão diferentes, é o mesmo Deus que anunciam. Suas críticas convergem em pontos comuns, e cada sílaba de seu sermão encerra o palpite do coração de um Deus que anseia salvar o homem.
O que chama minha atenção em tudo isto é que os lugares mudam, mas a palavra pregada por aqueles homens é a mesma. Na havia contradições entre aquilo que anunciavam. Mesmo sendo muitos, vivendo em momentos históricos diversos e em condições as mais variadas, podemos divisar um fio condutor em suas mensagens que nos levará à mesma fonte. Isto porque a palavra de Deus não se relativiza, de sorte a submeter-se às condições impostas pelo meio externo.    
Os cenários mudam e a palavra permanece a mesma porque ela não é mais uma estrada, uma rota ou um lugar. Ela é caminho de Deus revelado ao homem; ela é farol que lampeja a direção a ser seguida. Sua ela é caminho que amplia nosso horizonte de possibilidades, ainda que tenhamos que percorrer as mesmas estradas. O que muda não são as condições físicas, mas a forma de nos relacionarmos com elas. O que muda é a certeza do maravilhoso em meio ao vulgar, do extraordinário que pulula em meio às fímbrias do ordinário.   
Quando contemplo os caminhos de Deus que vão se construindo nos lugares mais diversos e contrastantes, convenço-me da possibilidade de uma relação genuína entre Deus e o homem, não limitada a determinações sócias ou econômicas.
A palavra de Deus é a mesma porque nossos dramas e misérias não estão circunscritos, necessariamente, a condições sócio-econômicas. Os profetas confrontavam os homens em relação às questões existenciais que lhes eram mais caras. Não porque estas questões lhes fossem prementes, mas porque não deveriam ignorá-las. A palavra dita por eles buscava despertar em sua consciência quanto às quimeras de uma segurança ilusória. As limitações de uma vida que se esvai em paixões, na absoluta indiferença do céu. Neste aspecto, sua mensagem continua sendo atual, pois nos deparamos com as mesmas questões; incorremos nos mesmos percalços e somos acometidos pelas mesmas frustrações.    
A palavra dita pelos profetas habita nestes cenários existenciais, como a confrontá-los de sua vacuidade. Haveria aqui, considerando todas as limitações de nossa linguagem, certa obstinação de Deus. Como se Deus a si mesmo impusesse um só destino: salvar o homem. Não decorre daqui a figura de um Deus condicionado pelo homem, mas que envida esforços para salvá-lo porque sua essência é o amor.    
Por outro lado, a postura que os profetas assumem com a palavra serve-nos de inspiração e exemplo. Mesmo exercendo seu ministério em lugares mais diversos, todavia não claudicam diante da mensagem que portam. Cada cenário carrega consigo seus horizontes de sedução. Ora, a vida da corte e o livre acesso à presença do rei podem despertar a sedução pelo poder. A pompa real cativa com todo o seu fascínio e esplendor. Não estaria o profeta Isaías sujeito a todas estas tentações?
João Batista, por sua vez, viveu num ambiente oposto a este. A aridez e as condições de vida precárias sugeridas no deserto poderiam levá-lo a insurgir contra seu Senhor. Contudo, Cristo vai ao seu encontro no deserto, às margens do Jordão, pois que lhe importa a pureza do coração do servo.  
Não obstante todas estas coisas, e mesmo sujeitos a entregarem-se àquilo que seu meio impunha, os profetas conservaram incólume a mensagem que portavam consigo. Quando em situações hostis, não mercadejaram a palavra, como que a buscar conforto pessoal. Quando em lugares pomposos, não desviram seu olhar do tesouro que realmente importa.
Estes homens demonstraram absoluto desprendimento quanto a tudo mais, deixando-se ser levados para os lugares que Deus queria que fossem. E mesmo estando em lugares os mais diversos, sujeitos às influências e tentações decorrentes daquele meio, aqueles homens permaneceram fiéis à sua vocação e zelosos pela mensagem que traziam consigo. Isto porque, acima de qualquer coisa, eles permaneceram em Deus contrariando a todas as determinações impostas pelas condições dos lugares por onde andaram. Cara lição que eles nos têm ensinar, mas a maior que podemos aprender.
 
Graça e Paz a todos,
Pr Luis Claudio
   
  

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quinta-feira, 14 de agosto de 2014



A MEDIDA DA FELICIDADE DA MULHER SIRO-FENÍCIA (Mc 7.24-30)
O texto que agora lemos faz-nos ver o Cristo exercendo seu ministério na região de Tiro. A cidade, situada na região da Fenícia, já havia rendido muitos temas aos escritores do Antigo Testamento. Para não recorrer a outros tantos textos, bastaríamos lembrar dos capítulos 26-27 do livro do profeta Ezequiel. Nestas laudas, Deus inclui a cidade de Tiro dentre aquelas que, diante de sua abundante prosperidade, não pesaram suas limitações e finitude. Por conta disso, a faustosa cidade fenícia vergou-se mediante duras penas.
Conhecer o povo fenício ajuda-nos entender melhor a metrópole de Tiro. A maior habilidade desenvolvida pelos fenícios foi a navegação. Este povo, que foi se formando ao longo do Mediterrâneo, desenvolveu uma apurada ciência náutica que lhe favoreceu a expansão marítima. Por conta desta sua expansão marítima, a Fenícia logo se tornou um forte centro econômico na antiguidade. O historiador Diodoro da Sicília afirmou que os fenícios, que “desde uma época longínqua navegavam sem cessar para comerciar, tinham fundado muitas colônias nas costas da Líbia”. Devido este seu espírito expansionista, os fenícios contribuíram com a formação de muitas cidades. Estribado nisto, o geógrafo Estrabão conclui que os fenícios “foram além das Colunas de Hércules e fundaram cidades nessas paragens, como também no centro da costa líbia, após a guerra de Tróia”. Aos fenícios é creditado, portanto, o feito grandioso de terem lançado a pedra fundamental da História da África do Norte.
No texto em tela, Cristo chega à cidade de Tiro, atual Sur, pertencente ao Líbano. No período romano, esta cidade tornou-se um centro importante na produção de púrpura. Assim que chegou a cidade de Tiro, o Redentor logo impôs certa privacidade, recomendando ao anfitrião que a ninguém comentasse acerca de sua presença ali. Todavia, o segredo foi rompido, e Cristo foi importunado por uma mulher que, súplice, rogava-lhe que para curasse sua filha.
A narrativa de Marco diz-nos tratar-se de uma mulher grega, talvez mais por conta de sua formação cultural que por fatores étnicos. Ela, lançando-se aos seus pés, rogava por sua filha que estava sendo atormentada por um espírito maligno. Embora na forma estabeleça-se um tom coloquial no diálogo, todavia ela encerra uma alegoria teológica extremamente elaborada. Frente ao apelo daquela mulher, Cristo diz que “primeiro os filho se saciem porque não é bom tirar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos” (v.27).
Ora sabemos que, com estas palavras, Cristo estava resguardando o lugar que cabia a Israel na ordem da salvação. Uma vez que o Messias adviria do povo judeu, por uma questão de ordem e não de supremacia racial, ele seria agraciado primeiramente com as benesses salvíficas. E aqui já começa despontar a grandeza daquela mulher. Diante das palavras de Cristo, ela simplesmente endossa aquilo que o Senhor falou: “É verdade, Senhor”. Ora aquela mulher não queria discutir teologia com Jesus, afinal, tratava-se de grande mestre, de um rabino. Mas ela insiste no pedido, porque sua necessidade transcendia qualquer dogmatismo teológico. Ela reconhecia que Cristo tinha razão, mas não se tratava de razão, e si de necessidade. Daí ela concluir: “mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas das crianças” (v.28).          
A beleza e profundidade do texto consistem justamente em afirmar que, na perspectiva cristológica, as necessidades humanas mais profundas possuem um peso maior que a ortodoxia teológica. Cristo oferece-nos outros exemplos que realçam esta verdade. Ele cura um enfermo no descanso sabático, algo inadmissível para os segmentos fundamentalistas de seu tempo. Contudo, voltemos àquela mulher.   
Comove-nos o desespero daquela mulher que se faz conformar até mesmo com migalhas despencando da mesa. Mas a grandeza da alma desta mulher encontra-se justamente naquilo que nós julgamos decorrer de um profundo estado de pobreza. A felicidade daquela mulher encontra-se justamente no pouco que sobeja de uma mesa abastada. O contraste entre o homem moderno e esta mulher logo se estabelece. O homem da modernidade encontra-se na encruzilhada entre suas grandes conquistas e angústias as mais diversas. Aquela mulher não trazia consigo grandes aspirações, mas a medida exata daquilo que lhe tornaria feliz. Não buscava um banquete, pois sua felicidade poderia ser encontrada nos pedacinhos que ninguém mais importava.     
Dentre outras coisas, aprendemos que aquela mulher sabe reconhecer seu lugar na mesa. Ela não estava ali para tomar o lugar de ninguém, e sequer a vemos pedir uma cadeira. Em Lucas, Cristo ensina seus discípulos a não cobiçarem os melhores lugares numa festa; eles podem representar muitas decepções (14.7-11). Por ainda não conhecerem plenamente o Cristo, João e Tiago pedem para assentar-se à sua destra e sesta na glória. Não compreendiam ainda a dimensão daquele pedido, e Cristo não hesitou em revelar-lhes a ignorância de sua pretensão (Mc 10.35-40). Como se não bastasse o pedido destes dois irmãos, ainda encontramos a recusa de Judas Iscariotes, que não vira a profundidade da graça num bocado de pão (Jo 13.21-30).
Há um contraste gritante entre aquela mulher e Judas Iscariotes. Cristo molha seu bocado de pão e o divide com Judas; este o rejeita e vai se vender por trinta moedas de prata. A versão neopentecostal desta ambição de Judas está representada no bordão evangélico “eu sou filho do rei”. E se o rei não tiver mais nada para seu filho, senão um bocado de pão? Talvez uma proposta melhor o faça abandoná-lo assim que cruzar a próxima esquina.
 A mulher não exige um palácio, ouro ou prata alguma; ela simplesmente pede para permanecer debaixo da mesa e comer as migalhas que caem no chão. Contraste gritante com o discípulo que ocupava lugar de prestígio na mesa do Redentor!
Vemos claramente que não se trata do lugar que ocupamos, mas o nível de ralação que temos com o Senhor da mesa. Aquele que fora convidado para compor o colégio apostólico julgou ser isto pouco para satisfazer suas ambições. Deu às costas ao bocado de pão e, a passos largos, correu para receber a paga das trinta moedas de prata. A mulher, ainda que não tivesse sido convidada para cargo tão elevado, demonstrou maior gratidão e simplicidade com a oferta que lhe fizera o Senhor.   Por conta disso, Cristo então lhe diz: “Pelo que disseste, vai: o demônio saiu da tua filha” (v.29).     
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio          

sábado, 21 de junho de 2014


PARA SEGUIR A VOZ DE DEUS NO VENTO
 
Uma releitura do livro dos Reis e encontramos talvez com a personagem cuja presença me parece a mas forte: Elias.  Todos os acontecimentos que marcaram sua vida possuem o acento do maravilhoso. Até mesmo seus momentos de abatimento revestem-se do sublime. Sobre a vida desta personagem do Antigo Testamento pouca coisa sabemos, exceto aquilo que está diretamente ligado ao seu ministério.
Exerceu sua vocação profética durante o governo do ímpio rei Acabe. Embora monarca de Israel, os caminhos da nação eram praticamente determinados por Jezabel, sua esposa de origem fenícia que, dentre outras coisas, tornou o culto a Baal a religião oficial. É neste contexto de idolatria paganizada que Elias desempenhará seu ministério, marcado pelo desejo fervoroso de restaurar em sua pátria o culto a Deus.
Por conta de sua luta aparentemente inglória, o profeta vergou-se sob o peso de forte abatimento e desânimo. Sob acusação de lesa-majestade, passou a andar errante escondendo-se dos furores de Jezabel que, impiedosa, procurava tirar-lhe a vida a qualquer custo. Não encontrando mais ânimo para prosseguir, enclausurou-se numa caverna no monte Horeb. Inicia-se então um colóquio entre o profeta abatido e um Deus inspirador.        
Assim que Elias expôs os motivos que o levaram a se trancafiar naquela gruta, Deus o convida a sair e pôr-se na montanha. Segue-se então uma série de fenômenos naturais, marcados por terremotos, fogueiras e furacão. O profeta então busca encontrar seu Deus em meios às pedras fendidas e o crepitar do fogaréu. Porém, Deus lá não estava, manifestando-se em seguida numa brisa suave e leve.    
Há um toque convidativo no soprar daquela brisa, uma vez que terremoto e furacão assustam-nos. Existe na brisa um toque de leveza e suavidade, tal qual a voz de Deus que não se impõe pela entonação, mas pela profundidade do toque. Terremoto e furacão deixam atrás de si um rastro de destruição e morte. A brisa, porém, coloca-nos diante de um Deus que nos chama à vida, ainda que não ignore os momentos sombrios de nossa vida. Deus se revela na brisa porque compreende as nossas chagas; o fenômeno possui uma carga de delicadeza, pois o Senhor não queria ser mais um peso à alma ferida do profeta.
Elias estava tão condicionado às epifanias do Antigo Testamento que, afoito, correu para encontrar Deus num terremoto e labaredas. Foi surpreendido ao constatar a presença divina numa brisa. Há algo aqui que sinaliza para a manifestação graciosa da Encarnação. As imagens que nos reportam a um Deus iracundo, que sempre traz consigo duros juízos, vão sendo substituídas por expressões de ternura e complacência. Ainda que se trate do mesmo Deus, todavia somente com o Cristo Encarnado podemos contemplá-lo numa perspectiva de profundidade.     
A voz de Deus corre solta no vento, deixando suspenso o mistério de sua origem e fim. Séculos após o episódio em tela, Cristo irá comparar a obra de Deus com o “vento que sopra onde quer”, sem que possamos mapear seu trajeto. Por meio desta metáfora, o Redentor quer afirmar que não há padrão para compreendermos o caminho divino. Não existe uma fórmula ou equação, nas quais possamos reduzir os meandros do Senhor.    
Mas os ventos também se relacionam com certa expressão de nossa existência. Isto porque eles nos falam da caminhada. Os ventos eram essenciais para os marinheiros, pois sem eles os navios não singravam as águas. Deus desejava soprar sobre Elias e colocá-lo novamente rumo a terras desconhecidas. Para onde iria, isto pouco importava. Deus iria com ele, e isto bastava.  Assim, para lembrar o verso, se “não podemos dirigir o vento”, ao menos “podemos ajustar as velas”.     
 
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio     

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quarta-feira, 21 de maio de 2014


UMA LONGEVIDADE DESUMANA
 
Devo confessar que nunca fui um grande admirador de séries, o que não acontece em relação ao cinema. Entretanto, recentemente li uma matéria jornalística sobre três séries de TV que abordam um tema que muito nos interessa: a ressurreição. A matéria se referia às séries Resurrection, In the Flesh e Les Revenants. Todas versam praticamente sobre o mesmo assunto.
Para termos uma ideia do conteúdo dos seriados, um dos episódios da série Resurrection, ambientado no estado do Missouri, passa-se numa igreja. Ali pessoas se reúnem em busca de respostas espirituais acerca de um fenômeno que atormenta os habitantes da cidade de Arcadia. Uma fiel pergunta ao pastor se um garoto chamado Jacob, que morreu há trinta anos e que resolveu reaparecer, exibindo a mesma aparência de criança, deve ser encarado como uma benesse divina. Outra mulher intervém na história, e atribui a aparição a uma obra do demônio. O pastor, também bastante confuso, insiste em não confessar que sua antiga namorada, uma suicida, do mesmo modo voltou da tumba em ótima saúde.
Ao ler esta reportagem, vi-me tentado a associá-la, guardas as devidas proporções, com certa concepção científica que anda por aí. De alguma forma, compreendo nestas séries uma advertência quanto a esta concepção científica. Um tema corrente que tem trazido muito investimento para os centros de pesquisa científica, é a longevidade. Nunca estivemos tão próximos de realizar, ao menos em parte, este nosso anseio por imortalidade. Aliás, não seria nenhum disparate afirmar que a longevidade deu à ciência nuances de best-seller. De alguma forma, por tocar num assunto que cativa o interesse do homem desde a mais tenra infância da humanidade, não seria vão afirmar que a longevidade despertou maior interesse popular pela ciência.
Talvez em nenhum outro período de sua história o homem se preocupou tanto com a imortalidade. E ainda pesa a favor desta sua preocupação o empreendimento hercúleo que a ciência tem despendido neste terreno. Não são poucas as pesquisas que aventam a regeneração de células e a inversão do processo de envelhecimento. O tema rendeu até mesmo o prêmio Nobel a três pesquisadores que, em 2009, descobriram a causa do envelhecimento celular.  Isto para não falarmos de biotecnologia, orientação nutricional, prática de atividades físicas e recurso que permitem superar o estresse.      
Entretanto, convém ressaltar que todos estes avanços tendem a alterar a estrutura física do homem sem, contudo, buscar aperfeiçoá-lo em sua totalidade. Não nego a importância que os avanços científicos têm proporcionado à humanidade; não coloco isto em discussão. O ponto que desejo submeter à reflexão está ligado a um discurso científico que não envida esforços em prolongar a vida, mas que pouca atenção dedica em melhor o humano em sua totalidade. É apenas o corpo que desperta o fascínio, e o discurso científico que se propõe fortalecê-lo, mas pouca questão fazendo de sua interioridade, aliena-se em relação às necessidades mais profundas da alma humana. Daí incorrermos no risco em criarmos espécies de avatares cujo corpo assemelha ao de uma divindade, mas que conserva uma alma doentia e chagada.           
Talvez nos ajude compreender melhor o argumento aqui posto, tomando como exemplo um fato ocorrido há pouco tempo. Um empresário russo patrocinou um grupo de cientistas que resultou na criação de um avatar, um robô com traços humanos. Uma das ideias do empresário seria transferir seu cérebro para o robô e, com isto, tornar-se imortal numa relação corpo-máquina.
Ainda que não venha ao caso aprofundar aqui esta questão, mas a representação do corpo enquanto máquina já está nos albores da modernidade. Coube a Descartes celebrá-la sendo acompanhado, mais tarde por La Mettrie. Entretanto, em ambos fica evidente o caráter metafórico desta imagem; sua intenção seria fundar uma física que permita analisar o corpo de forma objetiva, a partir de “sua engrenagem determinada”. Evocá-los como fundamento filosófico para justificar “uma aventura científica” seria, na melhor das hipóteses, uma injustiça intelectual. E levar este projeto a cabo, como fizera o empresário russo, implica em fazer da ciência a alquimia da pós-modernidade.
 
 
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio  
 
 
 

quinta-feira, 13 de março de 2014


A CONVENIÊNCIA DO QUESTIONAR
(Lc 1, 5-38)


As reflexões são cheias de questionamentos, mas quais os questionamentos que nos são convenientes? Quais indagações devem reger nossas reflexões?

Algum tempo tenho refletido no evangelho que escrevera Lucas, especificamente nos dois primeiros capítulos. O que me chamou atenção na narrativa que precede os nascimentos de João Batista e de Jesus é um aspecto contido na anunciação do nascimento dos dois, as indagações feitas ao Anjo Gabriel.

Zacarias, após receber a notícia que seu opróbrio seria um instrumento de exaltação do poder de Deus na História da Redenção, faz uma pergunta cética como que duvidando da clareza da mensagem que o Anjo o comunicara. São esses tipos de questionamentos que tomam vias totalmente contrárias à estruturação da Fé.

Questionamentos condessados pela dureza de um coração irão contestar o incontestável. Zacarias, ao questionar a resposta de Deus às suas súplicas fez de suas petições orações inválidas. Por cedermos às linhas de raciocínios que enfraquecem nossa fé, distanciamo-nos do que nos edifica espiritualmente. Devemos saber o que calcar com os pés da mente, porque ao invés de criar fundamentos que irão sustentar-nos, iremos afundar em nossos intentos reflexivos.

Aos olhos da razão, podemos questionar tudo, porém, os questionamentos que nos convém, são aqueles que são conforme os olhos da fé, que partem de um coração quebrantado, para a sublime edificação do ser. 


                               Graça e Paz do Senhor Jesus Cristo !

                             
                               C. Júnior






domingo, 9 de março de 2014


CAMINHAR COM AMOR, EIS A CHAVE DE UM VERDADEIRO DISCIPULADO

 

A passagem bíblica que hoje evocamos encontra-se no Evangelho Segundo João, em seu sexto capítulo. A cena se passa numa campina de Cafarnaum, cidade pobre na região da Galiléia. Ao redor de Cristo formou-se uma multidão que, sabendo dos sinais que havia realizado, acorrera ao seu encontro a fim de alcançar alguma benesse. Comovido pela fome que grassava entre aquelas pessoas, Cristo multiplica cinco pães e dois pequenos peixes. Diante daquele portento, as pessoas que se apinharam pela campina propuseram fazer do Cristo o seu rei. Renitente àquela intenção popular, o Redentor retirou-se para orar ao Pai. Ao retornar, trazia consigo o discurso que o identificava como o “pão da vida” (Jo 6.48).  

Os ânimos acalorados da multidão logo arrefeceram, quando sobrepôs ao pão físico o pão celeste que sacia a alma. o povo então começou a se dispersar. Ao ver que apenas os doze apóstolos ficaram, Cristo volta-se para eles e os instiga também a seguir seu próprio caminho, se estivessem arredios à verdade que ele lhes comunicara. Pedro, então, toma a frente dos demais e confessa não ter outro lugar para ir, porque somente Cristo tinha palavras de vida eterna (6.68).

A fala que Cristo dirige aos doze apóstolos coloca-nos diante de algumas verdades. Mas o que me chamou a atenção mais recentemente sobre seu discurso foi sem tom desprovido de qualquer apelativo. Em nenhum momento Cristo amedrontou aqueles homens, elencando as consequências se eles o deixassem. Não insuflou no coração daqueles homens o medo, decorrente de ameaças das mais diversas naturezas e formas.

Cristo sabe ser meigo até quando se irrita, diferentemente de muitos pregadores em que a ira sobressai até mesmo quando ensaiam algum gesto delicado. Não diviso o espírito cristão na fala de bispos e apóstolos que, tomados por insegurança e obsessão por controle, intimidam seu auditório. Afirmam que todos que deixarem aquela comunidade serão varridos da graça e benção de Deus. Terão que suportar um ostracismo desesperador, e perambularem como sombras perdidas numa espécie de limbo existencial.

O mecanismo utilizado por estes líderes me faz lembrar os meios empregados pelas facções criminosas. Quando algum membro dessas facções aventa abandoná-las, não o faz sem sofrer ameaças que coloquem em risco sua vida e a de seus familiares. Em certos grupos evangélicos as ameaças apenas são espiritualizadas, mas as consequências são bastante aparentadas. Ouço seus líderes afirmarem que, se “deixarem aquela sombra apostólica”, seus membros amargarão, juntamente com seus familiares, dissabores diversos.

Em Cristo o discurso não tem as cores da ameaça, porque ele deseja que seus discípulos o sigam por amor, e não coagidos pelo medo e o terror. Sua relação com eles deve estar vincada no desejo mais profundo da alma de estar perto de seu Criador. E aqueles para os quais fala, antes de ser um produto sobre o qual se exerce uma relação de posse, são, acima de tudo, homens que, até mesmo no ato de rejeitá-lo, merecem seu respeito e decoro.

 

Graça e Paz a todos!

 

Pr. Luis Claudio    

      

          

 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014


GESTOS AUTENTICAMENTE CRISTÃOS EM MEIO A UM CRISTIANISMO TÃO INAUTÊNTICO

 

No início do mês passado, noticiários do mundo inteiro veiculavam mais uma nota acerca do papa Francisco. Dessa vez chamou a atenção da mídia uma carona que o papa deu, em seu passeio pela Praça de São Pedro, no Vaticano, a um amigo argentino. Ao reconhecer na multidão seu colega e também padre, o pontífice logo lhe convidou a subir no papamóvel e acompanhar-lhe em seu trajeto. O gesto foi ovacionado pelas mídias ligadas à Santa Sé, mas também por outras que não possuem ligação direta com o Vaticano.

O que chamou minha atenção acerca deste noticiário foi o relevo que se dá a um gesto tão simples e singelo. Ora, oferecer uma carona a um amigo não me parece um gesto de nobreza tão surpreendente assim. Quantos de nós já não fizemos isto?

Contudo, isto foi feito por um papa, um suposto representante de Cristo aqui na Terra. Diante de todo o burburinho em torno do episódio, logo me dei conta do quanto nosso cristianismo está empobrecido. O mundo aclama e surpreende-se diante de um gesto que acena para um líder religioso próximo do povo, tangível. Mas Cristo não era assim? E os apóstolos? Não me recordo ter lido nas Escrituras que eles andavam acercados de segurança e proteção das forças armadas. Muito pelo contrário.

Pois bem, enquanto que a carona que um papa ofereceu a um amigo enche de alegria o coração de muitos, minha alma esvai-se em tristeza e lamento. Isto porque o gesto em apreço nos mostra o quanto estamos distantes de um cristianismo autêntico. Ficamos embasbacados diante de um líder religioso que oferece carona a um amigo em seu automóvel oficial. Esquecemos que o Cristo sequer possuía um meio de transporte próprio. Ele navegava num barco que não era seu e um jumentinho que não lhe pertencia; e, mesmo na morte, sua família teve que contar com uma sepultura cedida por José de Arimatéia.

Devemos repensar radicalmente nossa fé diante de um mundo que se surpreende em ver num cristão o mínimo que se espera de um amigo. Se o mundo se espanta com uma singela carona, é porque ele mesmo está saturado de olhar para a cristandade e não ver mais que uma mediocridade religiosamente pobre, desdourada.

Minha intenção aqui não se procura censurar o gesto do papa Francisco. Até reconheço ser louvável sua atitude. O que me incomoda, volto a dizer, é a ovação em torno de um gesto afável, como se isto não mais pertencesse ao nosso universo cristão. E, lamentavelmente, faço coro com aqueles que admiram num aceno isolado e particular de boa prática cristã, quando isto deveria abundar em nosso meio, hoje tão estéril de ações genuinamente piedosas.      

 

Graça e Paz a todos!

 

Pr Luis Claudio

                 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014


E OS DISCÍPULOS DECIDIRAM NAVEGAR SEM JESUS

 

O texto bíblico que hoje lemos encontra-se no capítulo 21 do evangelho segundo escreveu João. Ele coloca-nos diante do segundo encontro que o Cristo ressurreto teve com o grupo dos onze apóstolos. Acompanhado por Tomé e Natanael, Pedro refaz sua embarcação e adentra as águas do mar Tiberíades, a fim de pescar. Uma noite inteira laboraram por aquelas águas e nada conseguiram pescar. Cansados e decepcionados, os pescadores retornam às margens do mar e lá se encontram com o Cristo.

Já era manhã do outro dia e Cristo, que muito provavelmente os aguardava, pede-lhes algo para comer. Mediante a escassez de víveres e o trabalho vão, disseram-lhe que nenhum peixe haviam pescado para que pudessem compartilhá-lo. Cristo então convida-os a voltar ao mar e lançaram as redes novamente, agora do lado direito do barco. Após terem feito aquilo que Cristo lhes recomendara, os discípulos içaram as redes cheias de peixes.

A mensagem do texto é bastante clara. Pescando toda a noite sem Jesus, os discípulos nada apanharam. Navegando toda a noite sem Jesus, os discípulos não chegaram a parte alguma, e nem mesmo conseguiram alguma coisa. O barco e o mar enquanto metáfora da vida parece universal. Não foram poucos os poetas e literatos que a eles recorreram, dando-lhes o mesmo significado.  Para ficarmos apenas em um deles, lembremo-nos de Fernando Pessoa: “Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Num primeiro momento aquela navegação culminou em fracasso, algo decepcionante para pescadores experimentados. Mas o evangelista não hesita em explicar as razões de tudo aquilo: os discípulos haviam esquecido Cristo para trás. Tomaram o leme de sua embarcação e decidiram ir sozinhos, pouca ou nenhuma questão fazendo em ter Cristo como companheiro.

Não é diferente conosco. Vemo-nos rodeados de tantos recursos e instrumentos, que julgamos poder ir sem ele. Assim nos lançamos no mar da vida e, convencidos de uma leda navegação, perdemos de vista aquele que pode nos oferecer vida abundante. Por conta disso, retornamos de nossas viagens existenciais com a alma seca, vergada por tantas tristezas e decepções.

Com o evangelista João aprendemos que quanto mais nosso barco singra as águas da vida sem Deus, mais vazios ficamos. Os discípulos decidiram singrar as águas com seu barco, porém deixaram Cristo lá atrás, às margens do Tiberíades. Não imitemos seu gesto e ouçamos o sábio conselho dito pelo missionário David Livingstone: “Sem Cristo, nem mesmo um passo; com Cristo, a qualquer lugar”.   

 

 

Graça e Paz a todos!

Pr Luis Claudio