AINDA QUE MUDEM OS CENÁRIOS,
A PALAVRA PERMANECE A MESMA
O texto que hoje recorremos
nos reporta à figura do profeta João Batista, e ele está inserido no início do
Evangelho segundo escreveu Marcos (1.1-6.). Predito no Antigo Testamento como
aquele antecederia o advento do Messias, João Batista exerceu seu ministério à
margem do grande centro religioso judaico: Jerusalém. A importância de sua
missão fora reconhecida pelo próprio Cristo, que acerca dele afirmou ser o maior
profeta nascido de mulher. Não obstante a relevância do papel que lhe cabia na
manifestação do Reino de Deus, o ministério de João desenrola-se com certa
discrição. Ainda que gozasse de certa popularidade, contudo estava ausente dos
grandes eventos político-religiosos do povo judeu. Não o vemos postado diante
do Templo em dia festivo, exortando as autoridades religiosas de Jerusalém. Talvez
já pressentisse que o Messias não se manifestaria primeiramente ali, mas às
margens do Jordão encontraria seu precursor. O Espírito Santo já lhe antecipara
acerca de uma pomba que adejaria sobre o Redentor naquele mesmo lugar.
Suas desavenças políticas
foram se dando quase que casualmente; seus caminhos cruzam com os de Herodes, e
ele não hesita em denunciar o estadista quanto sua conduta adulterina. Para
tanto, ele não precisa ir ao palácio de Herodes afrontá-lo por conta de seus
descaminhos imorais.
Chama-nos a atenção a
geografia, o espaço ocupado por João Batista. Suas alparcas não palmilham as
ruas pavimentadas de Jerusalém, ou os corredores do palácio herodiano
construído segundo o modelo da arquitetura grega. Sua existência desenrola-se quase que
inteiramente longe das agitações político-religiosas de Jerusalém, e da
devassidão hedonista cultivada nas rodas herodianas. O cenário sobre o qual este
profeta exerceu seu ministério era o deserto. Sobre este aspecto, gostaria de
tecer um breve comentário.
Outros profetas que
antecederam João pregaram em palácios e no Templo. Dentre eles encontra-se
Isaías, homem ligado à corte que, por descender de família real, tinha livre
acesso à presença do rei. Jeremias imiscuía-se entre os peregrinos e, nos
átrios do Templo, bradava contra a impiedade ali praticada. Amós exerce seu
ministério em meio aos homens do campo. Ezequiel fala em meio à classe
“operária” dos exilados na Babilônia. João Batista, ao contrário de muitos de
seus antecessores, prega no deserto.
Porém, mesmo em lugares tão
diferentes, é o mesmo Deus que anunciam. Suas críticas convergem em pontos
comuns, e cada sílaba de seu sermão encerra o palpite do coração de um Deus que
anseia salvar o homem.
O que chama minha atenção em
tudo isto é que os lugares mudam, mas a palavra pregada por aqueles homens é a
mesma. Na havia contradições entre aquilo que anunciavam. Mesmo sendo muitos,
vivendo em momentos históricos diversos e em condições as mais variadas,
podemos divisar um fio condutor em suas mensagens que nos levará à mesma fonte.
Isto porque a palavra de Deus não se relativiza, de sorte a submeter-se às
condições impostas pelo meio externo.
Os cenários mudam e a
palavra permanece a mesma porque ela não é mais uma estrada, uma rota ou um
lugar. Ela é caminho de Deus revelado ao homem; ela é farol que lampeja a
direção a ser seguida. Sua ela é caminho que amplia nosso horizonte de
possibilidades, ainda que tenhamos que percorrer as mesmas estradas. O que muda
não são as condições físicas, mas a forma de nos relacionarmos com elas. O que
muda é a certeza do maravilhoso em meio ao vulgar, do extraordinário que pulula
em meio às fímbrias do ordinário.
Quando contemplo os caminhos
de Deus que vão se construindo nos lugares mais diversos e contrastantes,
convenço-me da possibilidade de uma relação genuína entre Deus e o homem, não
limitada a determinações sócias ou econômicas.
A palavra de Deus é a mesma
porque nossos dramas e misérias não estão circunscritos, necessariamente, a
condições sócio-econômicas. Os profetas confrontavam os homens em relação às
questões existenciais que lhes eram mais caras. Não porque estas questões lhes
fossem prementes, mas porque não deveriam ignorá-las. A palavra dita por eles
buscava despertar em sua consciência quanto às quimeras de uma segurança
ilusória. As limitações de uma vida que se esvai em paixões, na absoluta
indiferença do céu. Neste aspecto, sua mensagem continua sendo atual, pois nos
deparamos com as mesmas questões; incorremos nos mesmos percalços e somos
acometidos pelas mesmas frustrações.
A palavra dita pelos
profetas habita nestes cenários existenciais, como a confrontá-los de sua
vacuidade. Haveria aqui, considerando todas as limitações de nossa linguagem,
certa obstinação de Deus. Como se Deus a si mesmo impusesse um só destino:
salvar o homem. Não decorre daqui a figura de um Deus condicionado pelo homem,
mas que envida esforços para salvá-lo porque sua essência é o amor.
Por outro lado, a postura
que os profetas assumem com a palavra serve-nos de inspiração e exemplo. Mesmo
exercendo seu ministério em lugares mais diversos, todavia não claudicam diante
da mensagem que portam. Cada cenário carrega consigo seus horizontes de
sedução. Ora, a vida da corte e o livre acesso à presença do rei podem
despertar a sedução pelo poder. A pompa real cativa com todo o seu fascínio e
esplendor. Não estaria o profeta Isaías sujeito a todas estas tentações?
João Batista, por sua vez,
viveu num ambiente oposto a este. A aridez e as condições de vida precárias
sugeridas no deserto poderiam levá-lo a insurgir contra seu Senhor. Contudo,
Cristo vai ao seu encontro no deserto, às margens do Jordão, pois que lhe
importa a pureza do coração do servo.
Não obstante todas estas
coisas, e mesmo sujeitos a entregarem-se àquilo que seu meio impunha, os
profetas conservaram incólume a mensagem que portavam consigo. Quando em
situações hostis, não mercadejaram a palavra, como que a buscar conforto
pessoal. Quando em lugares pomposos, não desviram seu olhar do tesouro que
realmente importa.
Estes homens demonstraram
absoluto desprendimento quanto a tudo mais, deixando-se ser levados para os
lugares que Deus queria que fossem. E mesmo estando em lugares os mais
diversos, sujeitos às influências e tentações decorrentes daquele meio, aqueles
homens permaneceram fiéis à sua vocação e zelosos pela mensagem que traziam
consigo. Isto porque, acima de qualquer coisa, eles permaneceram em Deus
contrariando a todas as determinações impostas pelas condições dos lugares por
onde andaram. Cara lição que eles nos têm ensinar, mas a maior que podemos aprender.
Graça e Paz a todos,
Pr Luis Claudio
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