domingo, 31 de agosto de 2014


AINDA QUE MUDEM OS CENÁRIOS, A PALAVRA PERMANECE A MESMA
 
O texto que hoje recorremos nos reporta à figura do profeta João Batista, e ele está inserido no início do Evangelho segundo escreveu Marcos (1.1-6.). Predito no Antigo Testamento como aquele antecederia o advento do Messias, João Batista exerceu seu ministério à margem do grande centro religioso judaico: Jerusalém. A importância de sua missão fora reconhecida pelo próprio Cristo, que acerca dele afirmou ser o maior profeta nascido de mulher. Não obstante a relevância do papel que lhe cabia na manifestação do Reino de Deus, o ministério de João desenrola-se com certa discrição. Ainda que gozasse de certa popularidade, contudo estava ausente dos grandes eventos político-religiosos do povo judeu. Não o vemos postado diante do Templo em dia festivo, exortando as autoridades religiosas de Jerusalém. Talvez já pressentisse que o Messias não se manifestaria primeiramente ali, mas às margens do Jordão encontraria seu precursor. O Espírito Santo já lhe antecipara acerca de uma pomba que adejaria sobre o Redentor naquele mesmo lugar.
Suas desavenças políticas foram se dando quase que casualmente; seus caminhos cruzam com os de Herodes, e ele não hesita em denunciar o estadista quanto sua conduta adulterina. Para tanto, ele não precisa ir ao palácio de Herodes afrontá-lo por conta de seus descaminhos imorais.
Chama-nos a atenção a geografia, o espaço ocupado por João Batista. Suas alparcas não palmilham as ruas pavimentadas de Jerusalém, ou os corredores do palácio herodiano construído segundo o modelo da arquitetura grega.  Sua existência desenrola-se quase que inteiramente longe das agitações político-religiosas de Jerusalém, e da devassidão hedonista cultivada nas rodas herodianas. O cenário sobre o qual este profeta exerceu seu ministério era o deserto. Sobre este aspecto, gostaria de tecer um breve comentário.  
Outros profetas que antecederam João pregaram em palácios e no Templo. Dentre eles encontra-se Isaías, homem ligado à corte que, por descender de família real, tinha livre acesso à presença do rei. Jeremias imiscuía-se entre os peregrinos e, nos átrios do Templo, bradava contra a impiedade ali praticada. Amós exerce seu ministério em meio aos homens do campo. Ezequiel fala em meio à classe “operária” dos exilados na Babilônia. João Batista, ao contrário de muitos de seus antecessores, prega no deserto.
Porém, mesmo em lugares tão diferentes, é o mesmo Deus que anunciam. Suas críticas convergem em pontos comuns, e cada sílaba de seu sermão encerra o palpite do coração de um Deus que anseia salvar o homem.
O que chama minha atenção em tudo isto é que os lugares mudam, mas a palavra pregada por aqueles homens é a mesma. Na havia contradições entre aquilo que anunciavam. Mesmo sendo muitos, vivendo em momentos históricos diversos e em condições as mais variadas, podemos divisar um fio condutor em suas mensagens que nos levará à mesma fonte. Isto porque a palavra de Deus não se relativiza, de sorte a submeter-se às condições impostas pelo meio externo.    
Os cenários mudam e a palavra permanece a mesma porque ela não é mais uma estrada, uma rota ou um lugar. Ela é caminho de Deus revelado ao homem; ela é farol que lampeja a direção a ser seguida. Sua ela é caminho que amplia nosso horizonte de possibilidades, ainda que tenhamos que percorrer as mesmas estradas. O que muda não são as condições físicas, mas a forma de nos relacionarmos com elas. O que muda é a certeza do maravilhoso em meio ao vulgar, do extraordinário que pulula em meio às fímbrias do ordinário.   
Quando contemplo os caminhos de Deus que vão se construindo nos lugares mais diversos e contrastantes, convenço-me da possibilidade de uma relação genuína entre Deus e o homem, não limitada a determinações sócias ou econômicas.
A palavra de Deus é a mesma porque nossos dramas e misérias não estão circunscritos, necessariamente, a condições sócio-econômicas. Os profetas confrontavam os homens em relação às questões existenciais que lhes eram mais caras. Não porque estas questões lhes fossem prementes, mas porque não deveriam ignorá-las. A palavra dita por eles buscava despertar em sua consciência quanto às quimeras de uma segurança ilusória. As limitações de uma vida que se esvai em paixões, na absoluta indiferença do céu. Neste aspecto, sua mensagem continua sendo atual, pois nos deparamos com as mesmas questões; incorremos nos mesmos percalços e somos acometidos pelas mesmas frustrações.    
A palavra dita pelos profetas habita nestes cenários existenciais, como a confrontá-los de sua vacuidade. Haveria aqui, considerando todas as limitações de nossa linguagem, certa obstinação de Deus. Como se Deus a si mesmo impusesse um só destino: salvar o homem. Não decorre daqui a figura de um Deus condicionado pelo homem, mas que envida esforços para salvá-lo porque sua essência é o amor.    
Por outro lado, a postura que os profetas assumem com a palavra serve-nos de inspiração e exemplo. Mesmo exercendo seu ministério em lugares mais diversos, todavia não claudicam diante da mensagem que portam. Cada cenário carrega consigo seus horizontes de sedução. Ora, a vida da corte e o livre acesso à presença do rei podem despertar a sedução pelo poder. A pompa real cativa com todo o seu fascínio e esplendor. Não estaria o profeta Isaías sujeito a todas estas tentações?
João Batista, por sua vez, viveu num ambiente oposto a este. A aridez e as condições de vida precárias sugeridas no deserto poderiam levá-lo a insurgir contra seu Senhor. Contudo, Cristo vai ao seu encontro no deserto, às margens do Jordão, pois que lhe importa a pureza do coração do servo.  
Não obstante todas estas coisas, e mesmo sujeitos a entregarem-se àquilo que seu meio impunha, os profetas conservaram incólume a mensagem que portavam consigo. Quando em situações hostis, não mercadejaram a palavra, como que a buscar conforto pessoal. Quando em lugares pomposos, não desviram seu olhar do tesouro que realmente importa.
Estes homens demonstraram absoluto desprendimento quanto a tudo mais, deixando-se ser levados para os lugares que Deus queria que fossem. E mesmo estando em lugares os mais diversos, sujeitos às influências e tentações decorrentes daquele meio, aqueles homens permaneceram fiéis à sua vocação e zelosos pela mensagem que traziam consigo. Isto porque, acima de qualquer coisa, eles permaneceram em Deus contrariando a todas as determinações impostas pelas condições dos lugares por onde andaram. Cara lição que eles nos têm ensinar, mas a maior que podemos aprender.
 
Graça e Paz a todos,
Pr Luis Claudio
   
  

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