SENDO
DEUS NÃO REJEITOU TAMBÉM SER FILHO DE JOSÉ (Jo 1.45-51)
O
texto que ora lemos narra o encontro que Cristo teve com Natanael. Ao menos
nesta hora, chama-nos a atenção a maneira irônica com a qual Natanael acolhe a boa
nova que Felipe lhe traz. Este, tomado por vivaz descoberta, diz àquele ter
encontrado a razão da esperança judaica, qual seja, o Cristo. Cético, Natanael
lhe moteja: “De Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1.46).
Havia
na apresentação de Felipe alguns pressupostos que fizeram Natanael desacreditar
da veracidade de sua notícia. Ora, Cristo é aqui pintado como nazareno e filho
de José. De fato, Nazaré não passava de um vilarejo empobrecido, que sequer se
encontrava nos mapas de então. O nome de seu pai, José, pareceu-lhe tão comum
que pouca importância lhe mereceu. Não restou a Natanael outra coisa senão um
olhar determinista a tudo aquilo que ouvira.
A
reação deste homem é própria daqueles que se limitam às circunstâncias. Para
estes a pobreza e a miséria são como terra estéril, chão infecundo onde nada
mais viceja. Sua forma limitada de ver a
vida faz-lhes pensar que alguns homens nasceram sob o signo da fatalidade, e
que de uma condição de penúria e adversidade outra sorte não está lhes
reservada.
Que
grandeza contemplamos em Deus, capaz de prover-nos do maravilhoso em meio às
circunstâncias mais desfavoráveis. Faltou a Natanael a sensibilidade quanto ao
admirável, a certeza de que a vida é tão grande que não podemos contê-la na
bitola de nossas superstições ou preconceitos. O coração de um ensoberbecido
não consegue dilatar-se para alcançar toda grandeza da vida.
Homens
como Natanael desconfiam que da pena de homem errante, quase que a viver na
mendicância, como Camões, possa brotar a maior riqueza da épica portuguesa. Quem
olhasse para Miguel de Cervantes trabalhando como criado para jovens ricos, na
Universidade de Salamanca, jamais suspeitaria estar diante do maior escritor
que a língua espanhola conheceu. Os professores do Conservatório de Milão
rejeitaram o jovem Verdi, não vendo nele mais que um mancebo desajeitado diante
de um teclado. Anos depois, não apenas por reparar tal injustiça, mas
reconhecendo a genialidade do músico, aqueles docentes deram à academia de
Milão o nome de Conservatório Verdi. Falta-me tempo e espaço para recorrer a
tantos outros exemplos semelhantes.
Disso
decorre que o gesto sobranceiro de Natanael encerra aquele olhar esvaído de
esperança, que desacredita da grandeza do homem, de Deus. Nele apercebemos o
próprio inferno antecipado em vida, pois nada mais esperam os que para lá
descem. Faz-nos lembrar a recomendação no frontispício do Inferno, que Dante Alighieri teceu em sua Divina Comédia: “Deixai aqui todas as esperanças, ó vós que entrais”.
Cristo
não vinha de Nazaré, simplesmente passara por lá, já que sua origem era o Céu. Entretanto,
não lhe ofende ser chamado de nazareno ou filho de José, já que títulos assim não
o apequenam. Apequenada é a alma medíocre, a quem a história e Deus não se
cansam de oferecer grandes lições.
Graça
e paz a todos.
Pr.
Luis Claudio
Nenhum comentário:
Postar um comentário