domingo, 8 de dezembro de 2013


QUANDO DEIXAMOS DE OLHAR PARA O ALTO NOS APEQUENAMOS-PARTE I


Hoje me propus fazer a leitura do capítulo 32 do livro do Êxodo. Neste texto encontramos o lamentável episódio do culto ao bezerro de ouro, celebrado por Israel durante sua peregrinação rumo a Canaã. Para compreendê-lo melhor, é necessário que retomemos seu contexto.

Durante a estadia do povo hebreu no deserto do Sinai, Moisés subiu uma montanha onde se encontrou com Deus. No cume do monte, o grande legislador hebreu recebeu todos os elementos necessários para a formação da vida religiosa de seu povo. A ele foi entregue desde a maquete do Tabernáculo (a tenda onde Deus manifestaria sua presença) até o calendário religioso e, principalmente, a Lei.

Enquanto Deus tornava conhecida a futura liturgia judaica a Moisés, o povo esperava ao pé do monte a descida de seu pastor. Como não retornava, Israel logo deduziu que Moisés estivesse morto, que não mais voltaria. Convencidos disso, os hebreus inquietaram Arão para que lhes fizesse um deus que os conduzisse até a terra prometida.

Sem mostrar qualquer resistência àquele apelo, o irmão de Moisés recolheu todos os pendentes e bijuterias de ouro que entre o povo havia sido encontrado. Após fundir aqueles adornos, Arão lhes deu a forma de um boi, muito provavelmente uma réplica do deus egípcio Ápis, que provocou uma verdadeira celeuma no arraial hebreu. Certo de que aquela divindade poderia concretizar aquilo que Moisés e seu Deus não conseguiram, o povo irrompeu em celebração e alegria.

Ainda que de forma bastante tímida, o episódio ora analisado serve como referência aos descaminhos que uma religiosidade má intencionada pode nos conduzir. Esta atração que sentimos por uma divindade que represente fortuna e riqueza é milenar. E não precisamos recorrer à exegese para logo nos apercebermos o quanto que ela destoa da imagem que o Evangelho pinta acerca do Cristo.   

Vemos no episódio em tela o quanto que a sacralização do dinheiro, aqui metaforizado pelo ouro, desumaniza-nos. Ele representa nossa ruptura com o Deus que se nos mostra de forma personalizada. Que está próximo de nós, com quem o homem estabelece um diálogo, porque o conhece. O mesmo Deus que mais tarde se encarnará na figura do Cristo, assumindo nossa forma e tornando-se como um de nós, exceto na prática do pecado.

Não nos surpreende o desinteresse que a Igreja tem demonstrado pelo Deus que se revela na Cruz, no auge de seu desprendimento e desapego. Damos-lhe as costas por qualquer outra divindade que corresponda nossa ambição e avareza. E com isto nos distanciamos do Deus que se identifica com nossa humanidade, deformando-nos por meio de um culto que nos animaliza, já que está ligado às nossas inclinações mais vis.


Graça e Paz a todos!

Pr Luis Claudio    

                         

segunda-feira, 18 de novembro de 2013


PORQUE O PROGRESSO SE CONSTRÓI A PARTIR DA FRAGILIDADE

 

O movimento nazista marcou de forma tão trágica o Ocidente que, depois dele, a história tomou outro rumo. Não seria o caso de tracejarmos nossa história e o quanto ela foi afetada por aquela ideologia macabra, engendrada por Hitler e seus sequazes. Mas o que me levou a retomar as questões do nacional-socialismo alemão daquele período foi associar, ainda que de forma velada, sua relação com alguns discursos religiosos que andam por aí. Não consegui desvencilhar minha interpretação acerca desse discurso de uma forma de eugenia religiosa.

Sabemos bem que em certos contextos evangélicos, os dramas existenciais que acometem qualquer ser humano conferem às pessoas estereótipos de exclusão. Problemas dos mais variados -que vão desde uma crise econômica ou conjugal até uma doença incurável- recebem um tratamento espiritualista projetando, por assim dizer, aqueles que os padecem numa espécie de gueto ou leprosário. Os pregadores adeptos dessa corrente religiosa desumanizam o sofrimento, lançando na periferia do Reino de Deus todos aqueles que amargam uma desventura.   Promovem uma concepção de vida a partir de um modelo de homem cristão muito mais próximo dos heróis de hollywood que do Cristo propriamente dito. 

Ao ouvir esses pregadores logo percebo que o sofrimento, como é tratado por eles, implica numa linha fronteiriça entre aqueles que gozam do favor de Deus e os que não se incluem em seus obséquios. E como se não bastassem as intempéries da vida, os pobres coitados que apinham os auditórios dessas grandes igrejas são constrangidos a interpretar suas mazelas como uma espécie de maldição, de desterro da seara divina.   

Entretanto, quando contrasto essa nova eugenia religiosa com a história, logo me dou conta da falácia que a alimenta. Isto porque, ao contrário daquilo que fica subentendido na fala dos adeptos da teologia de libertação, o progresso da humanidade não foi construído à esteira de super-heróis. Faltar-me-ia tempo para elencar aqui o quanto que o progresso da humanidade se deve àqueles que cuja vida, contrariamente aquilo que apregoam os teólogos da prosperidade, não deixou de abrilhantar a história vergada diante dos mais diversos reveses.

Lembremo-nos de Caravaggio que, assim que chegou à cidade de Roma, por conta de suas dificuldades financeiras, pleiteava empregos nos ateliês (bottega, em italiano) da capital italiana. A fim de sobreviver, ele pintava dois a três retratos por dia. A Capela da Sistina foi pintada por Michelangelo em meio a dificuldades econômicas e uma saúde precária. Com 12 anos Shakespeare já trabalhava para ajudar sua família, que havia falido recentemente. Em 1580, Camões morria em condições de extrema miséria, sem o devido reconhecimento do povo português.  Mozart morreu na mais extrema miséria, e foi enterrado em vala comum. Em seus últimos anos de vida, Beethoven se viu acercado de inúmeras tragédias pessoais. O sobrinho, que se encontrava sob sua guarda, havia tentado o suicídio. A surdez parecia-lhe crescente e incurável.

Ao regressar à Rússia, após um período em que viveu no exterior, Dostoievski  encontra o jornal onde trabalhara fechado. Sua esposa encontrava agonizante e seu irmão com sérios problemas econômicos. Como se não bastasse, o maior escritor russo ainda enfrentava problemas ligados à epilepsia. Mas foi justamente a angústia decorrente dessas crises que o levou ao amadurecimento enquanto escritor.   

Quando chegou em Praga Kepler estava financeiramente arruinado. Episódio mais fatídico ainda, seus dois filhos mais novos haviam acabado de morrer. A pintura “Mulheres sentadas”, de Renoir, foi vendida, em seus dias, por apenas 60 francos, quase o valor da moldura.

E ainda falaríamos de outros tantos homens e mulheres que não encontraram na penúria razão que lhes fizesse negar-nos seu talento, sua arte e inspiração. Ora, careceríamos de maior prova que conteste essa eugenia religiosa que anda por aí? Precisaríamos recorrer a outros argumentos, a fim de sustentar que, ao contrário daquilo que acentua a teologia da prosperidade, a história se constrói por meio da fragilidade e não da força ou do poder?

 

Graça e Paz a todos!

Pr Luis Claudio

             

  

 

    

      

  

domingo, 22 de setembro de 2013


E ELE APARECEU A MARIA MADALENA!

 

Dentre outras testemunhas que contemplaram o Cristo ressurreto, encontramos uma mulher universalmente conhecida como Maria Madalena. Detalhes sobre este encontro podem ser lidos no Evangelho Segundo escreveu João (20.11-18). E quando me coloco a pensar nas razões que levaram Cristo a se manifestar a Maria Madalena, logo após sua Ressurreição, confesso ficar bastante intrigado. A escolha torna-se um pouco mais clara quando a contraponho às consequências que adviriam se Cristo manifestasse a outras figuras, e não àquela mulher.

Se partirmos da importância jurídica da Ressurreição, deveríamos supor que seria mais conveniente que Cristo se apresentasse a um advogado ou juiz romano. Todavia, talvez, este logo trataria de denunciá-lo novamente, uma vez que a Ressurreição não anularia, juridicamente, a pena que lhe fora imposta. O evento não exigiria uma revisão do processo, uma vez que ele não removeria o suposto crime de Cristo; mas quiçá apenas revelaria a ineficiência do instrumento utilizado para a execução da sentença.  

Se Cristo tivesse se manifestado a um médico legista, este logo afirmaria que, de fato, ele estava vivo. Entretanto, a hipótese da Ressurreição poderia ser facilmente substituída por um desmaio na cruz, e não a morte clínica do condenado. Um legista ligado aos interesses romanos ou sinedritas atestaria despudoradamente este parecer clínico. A consciência traída pode encontrar paliativo à sua culpa em atos que legitimem uma razão supostamente mais nobre.      

Se tivesse aparecido a Pôncio Pilatos, estaria instalado o caos político no império. E o evento deixaria de ser tratado na perspectiva da ordem espiritual para a ordem temporal. Logo procurariam torná-lo um novo césar colocando-o, por assim dizer, na mesma perspectiva dos reis deste mundo. Isto ele já havia rejeitado em Cafarnaum. De sorte que concorrer com os césares reduziria substancialmente sua grandeza, uma vez que seu desejo é ser acolhido em nossos corações, e não ascender aos nossos tronos.

Se Cristo tivesse manifestado-se ao Sumo Sacerdote, sua presença logo ameaçaria uma organização milenar em Israel. Isto porque não haveria necessidade em manter a ordem sacerdotal, haja visto o sacrifício perfeito e definitivo ter sido oferecido. A Ressurreição não se contenta apenas no confronto com instituições. O próprio tempo cuida em mostrar suas lacunas e a necessidade de renovação.

Cristo se mostra a uma mulher desarmada, que vai a ele com o despojamento de um discípulo; que se relacionaria com aquele evento na perspectiva da fé, e não de interesses alheios. Que não assimila aquele evento enquanto uma ameaça à ordem estabelecida. Antes, que reconhece nele o sentido mais profundo a apaziguar todo seu caos existencial.

Cristo se mostra a uma mulher que se convence da veracidade de seu encontro não por evidências científicas, mas pela intensidade vívida de sua realidade. Porque a ciência não apreende a totalidade de todas as coisas, mas apenas uma parcela ínfima delas. Alinha-se a esta constatação um dos mais célebres versos shakespearianos: “Há tanta coisa entre o Céu e a Terra que não compreende a nossa vã filosofia”.   

Cristo se mostra a uma mulher cujo anúncio da Ressurreição não será mais que o transbordar jubiloso e incontido da alma. Cristo mostra-se a Maria Madalena, pois sabe que aquela mulher não iria reduzir o maravilhoso a pressupostos racionais. Talvez Maria represente esta nossa humanidade que ainda se deleita naquele sentimento despertado frente ao maravilhoso. Que se lança aos pés de seu Cristo com aquela paixão que não balouça, ainda que pareça mais razoável, diante das conveniências que pretendem sufocá-la.

 

Graça e Paz a todos

Pr Luis Claudio

            

         

sábado, 17 de agosto de 2013


UM CONVIDADO MUITO ILUSTRE PEDE PARA ENTRAR

 

A tradição cristã assentou que o livro do Apocalipse foi escrito pelo apóstolo João quando ele esteve aprisionado na ilha de Patmos. Foi ali que, segundo a narrativa bíblica, Cristo manifestou-se glorificado e concedeu a seu apóstolo a revelação registrada no último livro das Escrituras Sagradas.

É possível afirmar que a narrativa apocalíptica, a partir de uma situação histórico-concreta, abstraia de seu contexto mais imediato lições que ascendem das comunidades joaninas à Igreja Universal.  Considerado este movimento, somos então desafiados a uma leitura não condicionada às razões históricas que motivam o nascimento desse livro. Ao contrário, faz-se premente que, sob o risco de esvaziarmos o caráter atemporal da mensagem que nos salta aos olhos, redescobrirmos aquilo que o Apocalipse tem a nos dizer hoje. Podemos, portanto, legitimar tudo o que foi dito partindo de uma compreensão mais profunda acerca da missiva endereçada à comunidade de Laodicéia.

Situado no vale do Lico, na antiga Ásia Menor, hoje região da Turquia, Laodicéia era uma cidade muito próspera. Conta-nos Jacques Ellul que nos idos dos anos 40 d.C. ela foi destruída por um forte terremoto. Mesmo sob ruínas, ela recusou a ajuda que lhe fora oferecida por Roma. Engrandeciam-lhe ainda mais sua escola de medicina e suas fontes termais.

Todavia, sua pompa material contrastava com a miséria espiritual de sua alma. Seu estado deprimente torna-se ainda mais acentuado pelo vazio decorrente da ausência de Cristo. Ele permanecia do lado de fora, mas, ternamente, pede para entrar: “Eis que estou à porta e bato” (Ap 3.20).           

O quadro não parece diferente em nossos dias, e não são poucas pessoas que negam a Cristo um lugar em suas vidas. Ao bater à porta e lançar o convite, Cristo, primeiramente, revela seu respeito ao universo do indivíduo. Ele reconhece que este indivíduo é constituído de valores, limitações, preconceitos, vícios e virtudes. Mas reconhece acima de tudo seu vazio existencial, e carências cuja profundidade não pode ser suprimida por nenhuma outra realidade dessa vida.   

O gesto de Cristo é marcado de uma ternura antropomórfica. Como Deus não há portas ou barreiras que impeçam sua passagem. Entretanto, ele espera que o dono da habitação atenda seu convite e, espontaneamente, receba-o em sua vida.

Talvez alguém se recuse a hospedá-lo em sua vida, sob o pretexto de que uma visita assim poderia mudar sua rotina de vida. Ou talvez concorra ainda contra este convite a ideia de que não queremos ver nossa privacidade invadida. Ou, quem sabe também, um sentimento de autosuficiência que não permite ao indivíduo reconhecer que necessita de ajuda.

Antes de ser um peso à nossa vida, este hóspede sublime traz consigo dádivas que irão enriquecer nossa existência. A alegria que dali emanará será completa, já que a vida passa a adquirir um sentido todo novo. Isto porque, ao entrar na vida de um homem, Cristo torna possível o mais belo encontro entre o Céu e a Terra.  

 

Graça e Paz a todos

Pr Luis Claudio

        

 

domingo, 4 de agosto de 2013


MUITO MAIS QUE UMA MOEDA PERDIDA- PARTE III

Hoje gostaria de retomar a leitura do evangelho lucano, mais precisamente o capítulo 15 que, como já vimos, trata da parábola da dracma perdida. E me chama atenção aqui o papel que essa parábola representa em relação às outras duas, que compõem juntamente com ela um tríptico. Refiro-me às parábolas da ovelha perdida e do filho pródigo.

Alinhado ao desejo de realizar uma leitura comparada dessa trilogia existencial, remeto-me ao texto como se estivesse diante de paisagens distintas. E, de certo modo, é assim que estamos. Primeiramente, vemo-nos um pastor vagueando na imensidão do deserto palestino à procura da ovelha desgarrada. Em seguida, o espaço é reduzido de tal forma que nos vemos agora confinados em uma casa. Por fim, o mundo parece ser o limite e acompanhamos a passos largos as andanças do filho que às apalpadelas em busca daquilo que nem ele sabe ao certo o que é.  

Os cenários que servem de palco ao pathos dramático daquelas personagens correspondem com o estado de suas almas. Um tema que perfaz as três parábolas, e que determina sua unidade narrativa, consiste em um sentimento de perda. E esta perda pode ser interpretada à luz dos lugares em que ela se dá.  

Toda perda ameaça desestabilizar nosso universo pessoal, pouco nos força a viver com um lado de nossa alma que permanece vazio. Por outro lado, a perda pode nos levar a desbravar outros horizontes que, por mais hostis que pareçam ser, podem proporcionar experiências ricas e maravilhosas.    

O pastor que perdeu a ovelha tem diante de si a extensão incomensurável do deserto. Sabe o que busca, mas não que rumo tomar; a esperança de encontrar é hostilizada pela grandeza do desafio e as dificuldades que sua busca representa. E com ele aprendemos que esperança sem determinação é preguiça.

A mulher parece estar diante de uma situação mais cômoda, pois o espaço de sua busca possui proporções infinitamente menores. E com ela aprendemos que a alegria não se mede pela extensão da jornada ou da grandeza do desafio, mas por um olhar mais intimista, que reconhece a importância daquilo que está próximo, perto de cada um.              

O quadro mais dramático do tríptico lucano é, certamente, o do filho pródigo. Sua perspectiva existencial é mais profunda que aquela encerrada nas figuras do pastor e da mulher. Isto porque, ao contrário daquilo que ocorreu nas outras duas parábolas, o drama vivido pelo filho pródigo decorre de suas próprias escolhas. Não há outra força operando no deslinde de sua história, senão sua própria vontade, o desejo arrebatador por uma vida dissoluta. Assim, sua escolha indevida e inconsequente torna a perda um processo que culmina em maturidade e experiência. E a terra longínqua onde vagueia errante só acentua a consistência daquele vínculo familiar que, por mais que tenha insistido, o jovem pródigo não pôde quebrar.

 

Graça e Paz a todos.

Pr. Luis Claudio        

domingo, 21 de julho de 2013


MUITO MAIS QUA UMA MOEDA PERDIDA-PARTE II

Como havia dito há algumas semanas atrás, quero voltar à parábola lucana sobre a dracma perdida. Ao longo das leituras recentes que fiz sobre este texto (Lc 15. 8-13), pus-me a refletir acerca da busca daquela mulher sobre o que ela ainda teria a nos ensinar.

Pude aprender com aquela mulher que sua busca dista abissalmente da procura do homem pós-moderno por alguns aspectos. Primeiramente, logo nos damos conta que a busca encabeçada por aquela mulher é muito consciente. Isto porque ela sabe o que perdeu e por isso sua procura está envolta em uma lucidez que enche de sentido sua empreitada. O objeto que a leva a uma busca afinco lhe é bastante definido.

Daí depreendermos que seu gesto não parte de um vazio existencial cuja origem o homem desconhece e, por conta disso, corre a esmo buscando superar seu desespero. Assim sendo, o que procura torna sua faina extremamente objetiva, despojada daqueles subjetivismos nos quais se afirma um eu que é tão desfigurado quanto o esforço de sua urdidura inócua. 

O dramaturgo norueguês Henrik Ibsen compara sua personagem Peer Gynt a uma cebola, já que, por mais que seja descascada, nunca apresenta um centro. Gynt consiste em uma figura bastante representativa deste homem da pós-modernidade. Imerso neste universo de opções que descerram diante de seus olhos, o homem pós-moderno entrega-se quase que incondicionalmente à busca pelas diversas sensações que isto pode lhe ofertar. Entretanto, quanto mais se lança nesta experimentação mais vê dilacerar-se a alma em angústias que abatem seu ser. Com isto ele não consegue chegar ao centro de si de forma a orientar sua vida em torno daquilo que gera consistência.           

Em segundo lugar, chama-me a atenção o fato daquela mulher irromper em alegria diante do encontro de algo tão simples. Sua felicidade parece tão pobre diante das epopeias que nos são oferecidas constantemente. Em nada invejamos seu sorriso, uma vez que somos constantemente animados a grandes realizações e ambições portentosas. Com ela aprendemos que, talvez, nossa realização não esteja nestes projetos que nos fazem sentir verdadeiros super-homens. Ao contrário, a felicidade pode ser o inverso do Santo Graal que torna nossa vida uma verdadeira cruzada que, por fim, não nos levará a nada.

 

Graça e Paz, a todos
Pr. Luis Claudio     

domingo, 2 de junho de 2013


MUITO MAIS QUE UMA MOEDA PERDIDA

Confesso ter lido a parábola da dracma perdida inúmeras vezes. Entretanto, como não poderia ser diferente, todas as vezes que releio um texto bíblico, sou surpreendido por uma verdade nova que ali estava, mas que não havia ainda apreendido.

Ao lado do episódio da ovelha perdida e do filho pródigo, a parábola da dracma perdida compõe uma trilogia cujo tema que a une versa sobre “a alegria do reencontro”. Da lavra fecunda do evangelista Lucas, a parábola que ora lemos fala de uma mulher que, possuindo dez dracmas, perde uma no interior de sua casa (Lc 15. 8-10). Ela então coloca-se à procura incessante até encontrar a moeda pedida.    

Dentre outros temas que o texto nos propõe, pus-me a refletir no esforço daquela mulher empenhada por encontrar sua moeda perdida. Ora, não podemos comparar o labor daquela mulher com o trabalho épico de um Hércules. Todavia, não podemos ignorar a intensidade vívida experimentada pela senhora em questão. E se nos debruçarmos um pouco mais sobre o episódio, veremos que para além de uma atividade meramente doméstica, repousam experiências de profunda intensidade existencial.

Muito provavelmente a protagonista desta parábola era uma camponesa. Assim, entendemos perfeitamente o esforço daquela mulher, quando nos damos conta de que a casa de um camponês nos dias de Jesus era muito precária. Normalmente, este tipo de residência possuía apenas um quarto, e sem janela ainda, o que acentuava a penumbra do ambiente. Daí a necessidade da candeia, uma espécie de lamparina, com a qual aquela mulher se serviu para iluminar seu aposento.    

Iluminada sua casa, a mulher agora passa a revirá-la canto a canto, até encontrar a moeda perdida. Quantas gavetas aquela mulher não revirou até encontrar a moeda perdida? E quanta história não se encontra perdida no recanto de uma gaveta qualquer? Em uma gaveta podemos encontrar a foto esmaecida de alguém que tanto amamos, e que não temos mais conosco. Em uma gaveta podemos encontrar um bilhete que desnuda segredos e muda muita coisa dentro de nós. Em uma gaveta podemos encontrar os bosquejos de um projeto abandonados por circunstâncias mais diversas. Nesse sentido, a dracma perdida oferece-nos a oportunidade talvez ímpar para retomarmos a caminhada. 

Além disso, a vassoura que percorre os cantos empoeirados de uma casa desenterra também um passado. A poeira de uma casa é muito mais que terra pulverizada; ela pode ser a saudade de uma doce lembrança.

São ainda os fragmentos de uma vida, que vão compondo o mosaico de nossa existência. Neste sentido, somos quase que tomados pelo sentimento de pequenez absurda, quando nos damos conta que uma vida tão intensa e sincera resume-se em papéis amarelecidos.  

Mas ao longo desta busca, temos a oportunidade de contrastar o presente com aquilo que fomos. Talvez a chave do primeiro carro adquirido não passe de uma antiquaria diante do veículo novo. Todavia, quantas viagens maravilhosas com ele não fizemos um dia!

A busca por uma dracma perdida, portanto, enseja a reflexão. Dada a profundidade do tema, voltarei a falar sobre ele por esses dias.        

  

 

Graça e Paz a todos!

Pr. Luis Claudio

domingo, 31 de março de 2013


MALHAÇÃO DO JUDAS OU DA GRAÇA GENUÍNA DE DEUS?

Neste domingo de Páscoa, pus-me a refletir sobre um episódio que possui traços folclóricos, mas que inverte uma belíssima história de perdão. Refiro-me à tradicional “Malhação do Judas” que há muito é comemorada na Europa e na América Latina.

Meu interesse pelo assunto renovou neste final de semana pascoal quando, por meio de um noticiário, fui informado que em um bairro de Brasília, a figura de Judas foi travestida na roupagem do Pastor e Deputado Federal Marcos Feliciano. Não quero aqui entrar na polêmica que tem envolvido o parlamentar nos últimos dias. Porém, inquieta-me o fato de que tal manifestação popular desfralda a bandeira do cristianismo não tendo, incontestavelmente, nada com o sentido de sua fé e mensagem. Para tanto, convido-lhes a fazer a leitura do Evangelho de Cristo segundo escreveu João.

Em seu capítulo de número 13, o Evangelho em tela dedica parte de seu texto à reação dos discípulos, no momento em que Cristo anuncia que um deles haveria de lhe trair. Diante da agitação causada por aquela revelação, João, inclinando-se sobre o peito de Cristo, pergunta-lhe que o haveria de trair. O amado Redentor responde por meio de um gesto terno e meigo: “É aquele a quem eu der o pão que vou umedecer no molho” (Jo 13.26). Dito isto, entregou o pão revirado no molho a Judas Iscariotes.

Não precisaríamos de um esforço intelectual hercúleo para logo concluirmos que esta cena, de narrativa muito simples, nada tem com a famosa “Malhação de Judas”. Ela consiste, na verdade, em seu contrário mais gritante. Antes de vociferar contra o traidor, ou incitar seus outros discípulos a um linchamento, Cristo reparte seu pão com o insidioso discípulo.

Dessa forma, não podemos negar que o sentimento que Cristo cultivou em relação a Judas, ao invés de marcado por rancores e ressentimentos, é cheio de piedade e amor. Ele mais do qualquer um de nós teria motivos de sobejo para “malhar Judas”. Todavia, não foi essa a tônica dos últimos momentos que esteve ao lado daquele discípulo.

É curioso notarmos o quanto que manifestações como a da “Malhação de Judas” e tantas outras distanciam-se do espírito da Páscoa cristã. Mais estanho ainda é saber que elas são consideradas como cristãs, mesmo vazias de sua mensagem essencial: amar ao próximo pouco importando quem seja este próximo. Por isso, não consigo ver em manifestações como esta mais que desgraça humana, ao invés de graça de Deus.

Graça e Paz a todos.

Pr Luis Claudio            

 

 

sexta-feira, 29 de março de 2013


A RETRATO SEMPRE VÍVIDO DAQUELE QUE NOS CUROU NA SUA DOR

Coube ao profeta Isaías escrever uma das páginas do Antigo Testamento mais lidas pela cristandade. Falo do capítulo 53 de seu livro, que ficou conhecido pela piedade cristã como o “Canto do Servo Sofredor”. Neste texto já nos é colocado um fundamento da fé cristã que, dentre outras coisas, ensina-nos a compreender um dos problemas mais intrincados para a filosofia: o sentido do sofrimento. Daí então o profeta divisar os efeitos da obra de Cristo, a ponto de arrematar que “por suas feridas fomos curados” (Is 53.5).

Nesse sentido, já nos é possível afirmar que, antes de ser uma dor estéril, o sofrimento de Cristo consiste numa fonte de vida e cura. Cristo vem até nós revestido por uma luz tão intensa, que mesmo aquilo que para os homens não passa de absurdo e motejo para seus maiores conflitos, nele encontra a mais nobre excelência e clareza. Assim, não compreendemos a razão de acontecimentos aparentemente fortuitos e trágicos em nossa vida. Mas não temos um resquício de dúvida quanto ao sentido que estas coisas adquirem na vida de Cristo: “por suas feridas fomos curados”. A finalidade de sua Paixão é incontestável.   Sua dor, portanto, não é um grito vazio cujas ondas sonoras estendem-se até se tornarem em nada, esvaírem-se. 

Tal reflexão me parece oportuna, já que hoje observamos em nosso calendário aquele que seria o dia em Cristo foi pendurado no madeiro. E a partir daqui, podemos tecer algumas considerações que talvez nos ajudem a compreender extensão do evento que hoje rememoramos.  

Primeiramente, entendemos que se Cristo ingressa em nosso mundo a fim de nos curar, é porque reconhece nosso estado enfermiço.  Disso decorre que filmes como aqueles que retratam a Paixão de Cristo invertem, ainda que inconscientemente, a finalidade da cruz. Filmes como a Paixão, de Mel Gibson, deixam a sensação de que ficamos apiedados daquilo que aconteceu com Cristo. Porém, a Paixão é Cristo apiedando-se dos homens.  

Em segundo lugar depreendemos que a relação que Cristo tem com nosso sofrimento não é de natureza intelectual. Em um de seus livros, Leonardo Boff afirma que Cristo não explica a origem de nossa dor, mas a vivencia conosco. Dessa forma, o sofrimento humano toca muito mais o coração do Redentor que seu intelecto.     

Em terceiro lugar, inferimos que sua obra não decorre de heroísmo, já que todo herói nasce a partir de acontecimentos fortuitos, que o lançam num fluxo da história alheio ao seu projeto de vida. Ele não é lembrado por sua coragem, embora esta não lhe possa ser negada, mas por seu amor.

Em quarto lugar, devemos considerar que levamos a cabo nosso projeto iluminista. Desde os idos do final do século XVIII, o Ocidente rompeu com Deus e com quaisquer verdades de caráter metafísico ou absoluto. Tomamos as rédeas de nosso próprio destino e, em nome de uma liberdade apenas hipotética, abstrata, julgávamos que assim alcançaríamos uma felicidade que por século foi cerceada pelo cristianismo. Desnecessário elencarmos aqui o número sem fim de evidências e acontecimentos históricos que desnudaram a natureza ilusória do espírito das Luzes. Assim sendo, fomos ao extremo de nossa liberdade para nos convencermos que isto apenas alastrou a dor.

Talvez aqui se dê o encontro mais fecundo e vívido que poderíamos conceber: os caminhos do homem chagado que se cruzam com os caminhos daquele que deseja nos curar. Isto porque seu desejo em nos curar é tão pertinente à sua natureza, que nosso desejo em sermos curados.

Em quinto lugar, ainda é possível dizer que se Deus predispõe-se a nos curar é porque ainda não conhecemos o remédio. É bom ainda que se diga, e aqui nosso argumento contrasta peremptoriamente com o discurso da teologia da prosperidade, que uma cura providencial, considerado todo o rigor do termo, torna-se necessária diante de uma dor que não possui bases empíricas ou biológicas. Para esta podemos evocar os recursos médicos e científicos. Disso decorre que, em Cristo, encontramos uma cura mais profunda, que nos coloca novamente naquele projeto original de criação. 

Nesse sentido, podemos afirmar que a cura proposta pela teologia da prosperidade é tão material quanto aquela que alcançamos por meio dos recursos científicos e médicos. Estas nos possibilitam apenas um bem-estar físico. Além destas, em Cristo encontramos cura aos nossos preconceitos, orgulho, ira, inveja, ódio, indiferença, rancor e tantos males que se desdobram em outros piores ainda. Se confessamos esta nossa situação enfermiça, não podemos negar o quanto nos atrai aquele Servo Sofredor anunciado por Isaías e contemplado pelos apóstolos.          

 

 

Boa Páscoa a todos, e Graça e Paz

Pr Luis Claudio

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


ACEITAR O PRÓPRIO PASSADO, SEM PERDER A ESPERANÇA DO NOVO

Há alguns dias, enquanto removia meus livros, chamou-me a atenção uma obra intitulada O sentido da vida, escrita pelo bispo católico Valfredo Telpe. Confesso que, num primeiro momento, desconfiei do livro por conta de seu título. Não para menos, uma vez que já estou saturado dos bordões inconsistentes das literaturas de auto-ajuda. Porém, logo às primeiras páginas folheadas, dei-me conta de que estava diante de uma obra séria, resultado de pesquisa bastante apurada. Li o livro praticamente “num tapa”, e gostaria de compartilhar algumas coisas que muito me enriqueceram.

Logo no primeiro capítulo do livro, Tepe faz-nos refletir acerca de nosso passado. Afirma que todos os homens possuem seu “patrimônio histórico”, aquilo que vamos construindo ao longo da vida. Este patrimônio pertence àquelas coisas sobre as quais não possuímos mais nenhum domínio, já que não podemos alterá-lo em nada.

Ora, se compararmos nossa vida com um livro, poderíamos dizer que nosso passado pertence àquelas páginas já escritas, sobre as quais nenhuma vírgula pode ser subtraída. Por conseguinte, de certa forma, somos autores de nossa própria autobiografia. E uma vez que nossas realidades passadas não podem mais ser alteradas, não nos resta outra opção senão aceitá-las.

Tepe ilustra esta verdade absoluta a partir de um episódio bíblico envolvendo Pilatos. Após ter sentenciado Cristo à morte, a procurador romano mandou um de seus oficiais tecer uma plaqueta com a seguinte inscrição: “Jesus Nazareu, o rei dos judeus” (Jo 19.19). Tal inscrição foi afixada na parte superior da cruz de Cristo.

Tomando aquilo como um insulto, as autoridades judaicas exigiram que Pilatos removesse ou alterasse a inscrição. Diante do pedido que lhe fora feito, Pilatos vociferou: “O que escrevi, escrevi” (Jo 19.22). A obra literária de Pilatos, “maravilhosa em conteúdo e concisão”, permaneceu intocável, bem como sua participação desastrosa no processo irregular de Cristo.

Porém, não apenas Pilatos, mas todos nós já escrevemos, em nosso “livro da vida”, algumas páginas sobre as quais nos envergonhamos. Na melhor das hipóteses, algumas destas páginas foram compiladas com escolhas, atitudes, gestos e atitudes que tantos dissabores nos trouxeram. Mas, o que está escrito, escrito permanecerá.

Todavia, a beleza em tudo isto consiste em saber que não estamos condicionados ao nosso passado. Ainda que este permaneça intocável, não somos obrigados a escrever uma nova página com as mesmas palavras. Temos hoje a oportunidade de escrever coisas novas que, ainda que não suprimam aquilo que para trás ficou, podem pincelas nossa autobiografia com experiências ricas e maravilhosas.

Mais ainda, não nos esqueçamos da graça de Deus que, por mais ilógica que pareça, rompe qualquer vínculo de causa e efeito possível. Assim um moribundo pendurado em uma cruz, pagando por seus crimes, ainda pode vivenciar num cenário completamente novo. Para tanto, basta olhar para o Cristo e, com ternura e arrependimento, apelas para sua graça redentora. E assim o inferno de uma existência vazia e chagada converter-se-á num céu de maravilhas e benesses.

 

Graça e Paz a todos

 

Pr Luis Claudio