A
RETRATO SEMPRE VÍVIDO DAQUELE QUE NOS CUROU NA SUA DOR
Coube
ao profeta Isaías escrever uma das páginas do Antigo Testamento mais lidas pela
cristandade. Falo do capítulo 53 de seu livro, que ficou conhecido pela piedade
cristã como o “Canto do Servo Sofredor”. Neste texto já nos é colocado um
fundamento da fé cristã que, dentre outras coisas, ensina-nos a compreender um
dos problemas mais intrincados para a filosofia: o sentido do sofrimento. Daí
então o profeta divisar os efeitos da obra de Cristo, a ponto de arrematar que
“por suas feridas fomos curados” (Is 53.5).
Nesse
sentido, já nos é possível afirmar que, antes de ser uma dor estéril, o
sofrimento de Cristo consiste numa fonte de vida e cura. Cristo vem até nós
revestido por uma luz tão intensa, que mesmo aquilo que para os homens não
passa de absurdo e motejo para seus maiores conflitos, nele encontra a mais
nobre excelência e clareza. Assim, não compreendemos a razão de acontecimentos
aparentemente fortuitos e trágicos em nossa vida. Mas não temos um resquício de
dúvida quanto ao sentido que estas coisas adquirem na vida de Cristo: “por suas
feridas fomos curados”. A finalidade de sua Paixão é incontestável. Sua dor, portanto, não é um grito vazio cujas
ondas sonoras estendem-se até se tornarem em nada, esvaírem-se.
Tal
reflexão me parece oportuna, já que hoje observamos em nosso calendário aquele
que seria o dia em Cristo foi pendurado no madeiro. E a partir daqui, podemos
tecer algumas considerações que talvez nos ajudem a compreender extensão do
evento que hoje rememoramos.
Primeiramente,
entendemos que se Cristo ingressa em nosso mundo a fim de nos curar, é porque
reconhece nosso estado enfermiço. Disso
decorre que filmes como aqueles que retratam a Paixão de Cristo invertem, ainda
que inconscientemente, a finalidade da cruz. Filmes como a Paixão, de Mel Gibson, deixam a sensação de que ficamos apiedados
daquilo que aconteceu com Cristo. Porém, a Paixão é Cristo apiedando-se dos homens.
Em segundo
lugar depreendemos que a relação que Cristo tem com nosso sofrimento não é de
natureza intelectual. Em um de seus livros, Leonardo Boff afirma que Cristo não
explica a origem de nossa dor, mas a vivencia conosco. Dessa forma, o
sofrimento humano toca muito mais o coração do Redentor que seu intelecto.
Em terceiro
lugar, inferimos que sua obra não decorre de heroísmo, já que todo herói nasce
a partir de acontecimentos fortuitos, que o lançam num fluxo da história alheio
ao seu projeto de vida. Ele não é lembrado por sua coragem, embora esta não lhe
possa ser negada, mas por seu amor.
Em quarto
lugar, devemos considerar que levamos a cabo nosso projeto iluminista. Desde os
idos do final do século XVIII, o Ocidente rompeu com Deus e com quaisquer verdades
de caráter metafísico ou absoluto. Tomamos as rédeas de nosso próprio destino
e, em nome de uma liberdade apenas hipotética, abstrata, julgávamos que assim
alcançaríamos uma felicidade que por século foi cerceada pelo cristianismo. Desnecessário
elencarmos aqui o número sem fim de evidências e acontecimentos históricos que
desnudaram a natureza ilusória do espírito das Luzes. Assim sendo, fomos ao
extremo de nossa liberdade para nos convencermos que isto apenas alastrou a
dor.
Talvez
aqui se dê o encontro mais fecundo e vívido que poderíamos conceber: os
caminhos do homem chagado que se cruzam com os caminhos daquele que deseja nos
curar. Isto porque seu desejo em nos curar é tão pertinente à sua natureza, que
nosso desejo em sermos curados.
Em quinto
lugar, ainda é possível dizer que se Deus predispõe-se a nos curar é porque
ainda não conhecemos o remédio. É bom ainda que se diga, e aqui nosso argumento
contrasta peremptoriamente com o discurso da teologia da prosperidade, que uma
cura providencial, considerado todo o rigor do termo, torna-se necessária
diante de uma dor que não possui bases empíricas ou biológicas. Para esta
podemos evocar os recursos médicos e científicos. Disso decorre que, em Cristo,
encontramos uma cura mais profunda, que nos coloca novamente naquele projeto
original de criação.
Nesse
sentido, podemos afirmar que a cura proposta pela teologia da prosperidade é
tão material quanto aquela que alcançamos por meio dos recursos científicos e
médicos. Estas nos possibilitam apenas um bem-estar físico. Além destas, em
Cristo encontramos cura aos nossos preconceitos, orgulho, ira, inveja, ódio,
indiferença, rancor e tantos males que se desdobram em outros piores ainda. Se confessamos
esta nossa situação enfermiça, não podemos negar o quanto nos atrai aquele
Servo Sofredor anunciado por Isaías e contemplado pelos apóstolos.
Boa
Páscoa a todos, e Graça e Paz
Pr
Luis Claudio
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