sexta-feira, 29 de março de 2013


A RETRATO SEMPRE VÍVIDO DAQUELE QUE NOS CUROU NA SUA DOR

Coube ao profeta Isaías escrever uma das páginas do Antigo Testamento mais lidas pela cristandade. Falo do capítulo 53 de seu livro, que ficou conhecido pela piedade cristã como o “Canto do Servo Sofredor”. Neste texto já nos é colocado um fundamento da fé cristã que, dentre outras coisas, ensina-nos a compreender um dos problemas mais intrincados para a filosofia: o sentido do sofrimento. Daí então o profeta divisar os efeitos da obra de Cristo, a ponto de arrematar que “por suas feridas fomos curados” (Is 53.5).

Nesse sentido, já nos é possível afirmar que, antes de ser uma dor estéril, o sofrimento de Cristo consiste numa fonte de vida e cura. Cristo vem até nós revestido por uma luz tão intensa, que mesmo aquilo que para os homens não passa de absurdo e motejo para seus maiores conflitos, nele encontra a mais nobre excelência e clareza. Assim, não compreendemos a razão de acontecimentos aparentemente fortuitos e trágicos em nossa vida. Mas não temos um resquício de dúvida quanto ao sentido que estas coisas adquirem na vida de Cristo: “por suas feridas fomos curados”. A finalidade de sua Paixão é incontestável.   Sua dor, portanto, não é um grito vazio cujas ondas sonoras estendem-se até se tornarem em nada, esvaírem-se. 

Tal reflexão me parece oportuna, já que hoje observamos em nosso calendário aquele que seria o dia em Cristo foi pendurado no madeiro. E a partir daqui, podemos tecer algumas considerações que talvez nos ajudem a compreender extensão do evento que hoje rememoramos.  

Primeiramente, entendemos que se Cristo ingressa em nosso mundo a fim de nos curar, é porque reconhece nosso estado enfermiço.  Disso decorre que filmes como aqueles que retratam a Paixão de Cristo invertem, ainda que inconscientemente, a finalidade da cruz. Filmes como a Paixão, de Mel Gibson, deixam a sensação de que ficamos apiedados daquilo que aconteceu com Cristo. Porém, a Paixão é Cristo apiedando-se dos homens.  

Em segundo lugar depreendemos que a relação que Cristo tem com nosso sofrimento não é de natureza intelectual. Em um de seus livros, Leonardo Boff afirma que Cristo não explica a origem de nossa dor, mas a vivencia conosco. Dessa forma, o sofrimento humano toca muito mais o coração do Redentor que seu intelecto.     

Em terceiro lugar, inferimos que sua obra não decorre de heroísmo, já que todo herói nasce a partir de acontecimentos fortuitos, que o lançam num fluxo da história alheio ao seu projeto de vida. Ele não é lembrado por sua coragem, embora esta não lhe possa ser negada, mas por seu amor.

Em quarto lugar, devemos considerar que levamos a cabo nosso projeto iluminista. Desde os idos do final do século XVIII, o Ocidente rompeu com Deus e com quaisquer verdades de caráter metafísico ou absoluto. Tomamos as rédeas de nosso próprio destino e, em nome de uma liberdade apenas hipotética, abstrata, julgávamos que assim alcançaríamos uma felicidade que por século foi cerceada pelo cristianismo. Desnecessário elencarmos aqui o número sem fim de evidências e acontecimentos históricos que desnudaram a natureza ilusória do espírito das Luzes. Assim sendo, fomos ao extremo de nossa liberdade para nos convencermos que isto apenas alastrou a dor.

Talvez aqui se dê o encontro mais fecundo e vívido que poderíamos conceber: os caminhos do homem chagado que se cruzam com os caminhos daquele que deseja nos curar. Isto porque seu desejo em nos curar é tão pertinente à sua natureza, que nosso desejo em sermos curados.

Em quinto lugar, ainda é possível dizer que se Deus predispõe-se a nos curar é porque ainda não conhecemos o remédio. É bom ainda que se diga, e aqui nosso argumento contrasta peremptoriamente com o discurso da teologia da prosperidade, que uma cura providencial, considerado todo o rigor do termo, torna-se necessária diante de uma dor que não possui bases empíricas ou biológicas. Para esta podemos evocar os recursos médicos e científicos. Disso decorre que, em Cristo, encontramos uma cura mais profunda, que nos coloca novamente naquele projeto original de criação. 

Nesse sentido, podemos afirmar que a cura proposta pela teologia da prosperidade é tão material quanto aquela que alcançamos por meio dos recursos científicos e médicos. Estas nos possibilitam apenas um bem-estar físico. Além destas, em Cristo encontramos cura aos nossos preconceitos, orgulho, ira, inveja, ódio, indiferença, rancor e tantos males que se desdobram em outros piores ainda. Se confessamos esta nossa situação enfermiça, não podemos negar o quanto nos atrai aquele Servo Sofredor anunciado por Isaías e contemplado pelos apóstolos.          

 

 

Boa Páscoa a todos, e Graça e Paz

Pr Luis Claudio

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