PARA SEGUIR A VOZ DE DEUS NO
VENTO
Uma releitura do livro dos
Reis e encontramos talvez com a personagem cuja presença me parece a mas forte:
Elias. Todos os acontecimentos que marcaram
sua vida possuem o acento do maravilhoso. Até mesmo seus momentos de abatimento
revestem-se do sublime. Sobre a vida desta personagem do Antigo Testamento
pouca coisa sabemos, exceto aquilo que está diretamente ligado ao seu
ministério.
Exerceu sua vocação
profética durante o governo do ímpio rei Acabe. Embora monarca de Israel, os
caminhos da nação eram praticamente determinados por Jezabel, sua esposa de
origem fenícia que, dentre outras coisas, tornou o culto a Baal a religião
oficial. É neste contexto de idolatria paganizada que Elias desempenhará seu
ministério, marcado pelo desejo fervoroso de restaurar em sua pátria o culto a
Deus.
Por conta de sua luta
aparentemente inglória, o profeta vergou-se sob o peso de forte abatimento e
desânimo. Sob acusação de lesa-majestade, passou a andar errante escondendo-se
dos furores de Jezabel que, impiedosa, procurava tirar-lhe a vida a qualquer
custo. Não encontrando mais ânimo para prosseguir, enclausurou-se numa caverna
no monte Horeb. Inicia-se então um colóquio entre o profeta abatido e um Deus
inspirador.
Assim que Elias expôs os motivos
que o levaram a se trancafiar naquela gruta, Deus o convida a sair e pôr-se na
montanha. Segue-se então uma série de fenômenos naturais, marcados por
terremotos, fogueiras e furacão. O profeta então busca encontrar seu Deus em
meios às pedras fendidas e o crepitar do fogaréu. Porém, Deus lá não estava,
manifestando-se em seguida numa brisa suave e leve.
Há um toque convidativo no
soprar daquela brisa, uma vez que terremoto e furacão assustam-nos. Existe na
brisa um toque de leveza e suavidade, tal qual a voz de Deus que não se impõe
pela entonação, mas pela profundidade do toque. Terremoto e furacão deixam
atrás de si um rastro de destruição e morte. A brisa, porém, coloca-nos diante
de um Deus que nos chama à vida, ainda que não ignore os momentos sombrios de
nossa vida. Deus se revela na brisa porque compreende as nossas chagas; o
fenômeno possui uma carga de delicadeza, pois o Senhor não queria ser mais um
peso à alma ferida do profeta.
Elias estava tão
condicionado às epifanias do Antigo Testamento que, afoito, correu para
encontrar Deus num terremoto e labaredas. Foi surpreendido ao constatar a presença
divina numa brisa. Há algo aqui que sinaliza para a manifestação graciosa da
Encarnação. As imagens que nos reportam a um Deus iracundo, que sempre traz
consigo duros juízos, vão sendo substituídas por expressões de ternura e complacência.
Ainda que se trate do mesmo Deus, todavia somente com o Cristo Encarnado
podemos contemplá-lo numa perspectiva de profundidade.
A voz de Deus corre solta no
vento, deixando suspenso o mistério de sua origem e fim. Séculos após o
episódio em tela, Cristo irá comparar a obra de Deus com o “vento que sopra
onde quer”, sem que possamos mapear seu trajeto. Por meio desta metáfora, o
Redentor quer afirmar que não há padrão para compreendermos o caminho divino. Não
existe uma fórmula ou equação, nas quais possamos reduzir os meandros do
Senhor.
Mas os ventos também se
relacionam com certa expressão de nossa existência. Isto porque eles nos falam
da caminhada. Os ventos eram essenciais para os marinheiros, pois sem eles os
navios não singravam as águas. Deus desejava soprar sobre Elias e colocá-lo
novamente rumo a terras desconhecidas. Para onde iria, isto pouco importava.
Deus iria com ele, e isto bastava. Assim,
para lembrar o verso, se “não podemos dirigir o vento”, ao menos “podemos
ajustar as velas”.
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio