domingo, 31 de março de 2013


MALHAÇÃO DO JUDAS OU DA GRAÇA GENUÍNA DE DEUS?

Neste domingo de Páscoa, pus-me a refletir sobre um episódio que possui traços folclóricos, mas que inverte uma belíssima história de perdão. Refiro-me à tradicional “Malhação do Judas” que há muito é comemorada na Europa e na América Latina.

Meu interesse pelo assunto renovou neste final de semana pascoal quando, por meio de um noticiário, fui informado que em um bairro de Brasília, a figura de Judas foi travestida na roupagem do Pastor e Deputado Federal Marcos Feliciano. Não quero aqui entrar na polêmica que tem envolvido o parlamentar nos últimos dias. Porém, inquieta-me o fato de que tal manifestação popular desfralda a bandeira do cristianismo não tendo, incontestavelmente, nada com o sentido de sua fé e mensagem. Para tanto, convido-lhes a fazer a leitura do Evangelho de Cristo segundo escreveu João.

Em seu capítulo de número 13, o Evangelho em tela dedica parte de seu texto à reação dos discípulos, no momento em que Cristo anuncia que um deles haveria de lhe trair. Diante da agitação causada por aquela revelação, João, inclinando-se sobre o peito de Cristo, pergunta-lhe que o haveria de trair. O amado Redentor responde por meio de um gesto terno e meigo: “É aquele a quem eu der o pão que vou umedecer no molho” (Jo 13.26). Dito isto, entregou o pão revirado no molho a Judas Iscariotes.

Não precisaríamos de um esforço intelectual hercúleo para logo concluirmos que esta cena, de narrativa muito simples, nada tem com a famosa “Malhação de Judas”. Ela consiste, na verdade, em seu contrário mais gritante. Antes de vociferar contra o traidor, ou incitar seus outros discípulos a um linchamento, Cristo reparte seu pão com o insidioso discípulo.

Dessa forma, não podemos negar que o sentimento que Cristo cultivou em relação a Judas, ao invés de marcado por rancores e ressentimentos, é cheio de piedade e amor. Ele mais do qualquer um de nós teria motivos de sobejo para “malhar Judas”. Todavia, não foi essa a tônica dos últimos momentos que esteve ao lado daquele discípulo.

É curioso notarmos o quanto que manifestações como a da “Malhação de Judas” e tantas outras distanciam-se do espírito da Páscoa cristã. Mais estanho ainda é saber que elas são consideradas como cristãs, mesmo vazias de sua mensagem essencial: amar ao próximo pouco importando quem seja este próximo. Por isso, não consigo ver em manifestações como esta mais que desgraça humana, ao invés de graça de Deus.

Graça e Paz a todos.

Pr Luis Claudio            

 

 

sexta-feira, 29 de março de 2013


A RETRATO SEMPRE VÍVIDO DAQUELE QUE NOS CUROU NA SUA DOR

Coube ao profeta Isaías escrever uma das páginas do Antigo Testamento mais lidas pela cristandade. Falo do capítulo 53 de seu livro, que ficou conhecido pela piedade cristã como o “Canto do Servo Sofredor”. Neste texto já nos é colocado um fundamento da fé cristã que, dentre outras coisas, ensina-nos a compreender um dos problemas mais intrincados para a filosofia: o sentido do sofrimento. Daí então o profeta divisar os efeitos da obra de Cristo, a ponto de arrematar que “por suas feridas fomos curados” (Is 53.5).

Nesse sentido, já nos é possível afirmar que, antes de ser uma dor estéril, o sofrimento de Cristo consiste numa fonte de vida e cura. Cristo vem até nós revestido por uma luz tão intensa, que mesmo aquilo que para os homens não passa de absurdo e motejo para seus maiores conflitos, nele encontra a mais nobre excelência e clareza. Assim, não compreendemos a razão de acontecimentos aparentemente fortuitos e trágicos em nossa vida. Mas não temos um resquício de dúvida quanto ao sentido que estas coisas adquirem na vida de Cristo: “por suas feridas fomos curados”. A finalidade de sua Paixão é incontestável.   Sua dor, portanto, não é um grito vazio cujas ondas sonoras estendem-se até se tornarem em nada, esvaírem-se. 

Tal reflexão me parece oportuna, já que hoje observamos em nosso calendário aquele que seria o dia em Cristo foi pendurado no madeiro. E a partir daqui, podemos tecer algumas considerações que talvez nos ajudem a compreender extensão do evento que hoje rememoramos.  

Primeiramente, entendemos que se Cristo ingressa em nosso mundo a fim de nos curar, é porque reconhece nosso estado enfermiço.  Disso decorre que filmes como aqueles que retratam a Paixão de Cristo invertem, ainda que inconscientemente, a finalidade da cruz. Filmes como a Paixão, de Mel Gibson, deixam a sensação de que ficamos apiedados daquilo que aconteceu com Cristo. Porém, a Paixão é Cristo apiedando-se dos homens.  

Em segundo lugar depreendemos que a relação que Cristo tem com nosso sofrimento não é de natureza intelectual. Em um de seus livros, Leonardo Boff afirma que Cristo não explica a origem de nossa dor, mas a vivencia conosco. Dessa forma, o sofrimento humano toca muito mais o coração do Redentor que seu intelecto.     

Em terceiro lugar, inferimos que sua obra não decorre de heroísmo, já que todo herói nasce a partir de acontecimentos fortuitos, que o lançam num fluxo da história alheio ao seu projeto de vida. Ele não é lembrado por sua coragem, embora esta não lhe possa ser negada, mas por seu amor.

Em quarto lugar, devemos considerar que levamos a cabo nosso projeto iluminista. Desde os idos do final do século XVIII, o Ocidente rompeu com Deus e com quaisquer verdades de caráter metafísico ou absoluto. Tomamos as rédeas de nosso próprio destino e, em nome de uma liberdade apenas hipotética, abstrata, julgávamos que assim alcançaríamos uma felicidade que por século foi cerceada pelo cristianismo. Desnecessário elencarmos aqui o número sem fim de evidências e acontecimentos históricos que desnudaram a natureza ilusória do espírito das Luzes. Assim sendo, fomos ao extremo de nossa liberdade para nos convencermos que isto apenas alastrou a dor.

Talvez aqui se dê o encontro mais fecundo e vívido que poderíamos conceber: os caminhos do homem chagado que se cruzam com os caminhos daquele que deseja nos curar. Isto porque seu desejo em nos curar é tão pertinente à sua natureza, que nosso desejo em sermos curados.

Em quinto lugar, ainda é possível dizer que se Deus predispõe-se a nos curar é porque ainda não conhecemos o remédio. É bom ainda que se diga, e aqui nosso argumento contrasta peremptoriamente com o discurso da teologia da prosperidade, que uma cura providencial, considerado todo o rigor do termo, torna-se necessária diante de uma dor que não possui bases empíricas ou biológicas. Para esta podemos evocar os recursos médicos e científicos. Disso decorre que, em Cristo, encontramos uma cura mais profunda, que nos coloca novamente naquele projeto original de criação. 

Nesse sentido, podemos afirmar que a cura proposta pela teologia da prosperidade é tão material quanto aquela que alcançamos por meio dos recursos científicos e médicos. Estas nos possibilitam apenas um bem-estar físico. Além destas, em Cristo encontramos cura aos nossos preconceitos, orgulho, ira, inveja, ódio, indiferença, rancor e tantos males que se desdobram em outros piores ainda. Se confessamos esta nossa situação enfermiça, não podemos negar o quanto nos atrai aquele Servo Sofredor anunciado por Isaías e contemplado pelos apóstolos.          

 

 

Boa Páscoa a todos, e Graça e Paz

Pr Luis Claudio