UMA LONGEVIDADE DESUMANA
Devo confessar que nunca fui
um grande admirador de séries, o que não acontece em relação ao cinema.
Entretanto, recentemente li uma matéria jornalística sobre três séries de TV
que abordam um tema que muito nos interessa: a ressurreição. A matéria se
referia às séries Resurrection, In the Flesh e Les Revenants.
Todas versam praticamente sobre o mesmo assunto.
Para termos uma ideia do
conteúdo dos seriados, um dos episódios da série Resurrection, ambientado no estado do Missouri, passa-se numa
igreja. Ali pessoas se reúnem em busca de respostas espirituais acerca de um
fenômeno que atormenta os habitantes da cidade de Arcadia. Uma fiel pergunta ao
pastor se um garoto chamado Jacob, que morreu há trinta anos e que resolveu reaparecer,
exibindo a mesma aparência de criança, deve ser encarado como uma benesse
divina. Outra mulher intervém na história, e atribui a aparição a uma obra do
demônio. O pastor, também bastante confuso, insiste em não confessar que sua
antiga namorada, uma suicida, do mesmo modo voltou da tumba em ótima saúde.
Ao ler esta reportagem,
vi-me tentado a associá-la, guardas as devidas proporções, com certa concepção
científica que anda por aí. De alguma forma, compreendo nestas séries uma
advertência quanto a esta concepção científica. Um tema corrente que tem
trazido muito investimento para os centros de pesquisa científica, é a
longevidade. Nunca estivemos tão próximos de realizar, ao menos em parte, este
nosso anseio por imortalidade. Aliás, não seria nenhum disparate afirmar que a
longevidade deu à ciência nuances de best-seller. De alguma forma, por tocar
num assunto que cativa o interesse do homem desde a mais tenra infância da
humanidade, não seria vão afirmar que a longevidade despertou maior interesse
popular pela ciência.
Talvez em nenhum outro
período de sua história o homem se preocupou tanto com a imortalidade. E ainda
pesa a favor desta sua preocupação o empreendimento hercúleo que a ciência tem
despendido neste terreno. Não são poucas as pesquisas que aventam a regeneração
de células e a inversão do processo de envelhecimento. O tema rendeu até mesmo
o prêmio Nobel a três pesquisadores que, em 2009, descobriram a causa do
envelhecimento celular. Isto para não
falarmos de biotecnologia, orientação nutricional, prática de atividades
físicas e recurso que permitem superar o estresse.
Entretanto, convém ressaltar
que todos estes avanços tendem a alterar a estrutura física do homem sem,
contudo, buscar aperfeiçoá-lo em sua totalidade. Não nego a importância que os
avanços científicos têm proporcionado à humanidade; não coloco isto em
discussão. O ponto que desejo submeter à reflexão está ligado a um discurso
científico que não envida esforços em prolongar a vida, mas que pouca atenção
dedica em melhor o humano em sua totalidade. É apenas o corpo que desperta o
fascínio, e o discurso científico que se propõe fortalecê-lo, mas pouca questão
fazendo de sua interioridade, aliena-se em relação às necessidades mais
profundas da alma humana. Daí incorrermos no risco em criarmos espécies de
avatares cujo corpo assemelha ao de uma divindade, mas que conserva uma alma
doentia e chagada.
Talvez nos ajude compreender
melhor o argumento aqui posto, tomando como exemplo um fato ocorrido há pouco
tempo. Um empresário russo patrocinou um grupo de cientistas que resultou na
criação de um avatar, um robô com traços humanos. Uma das ideias do empresário
seria transferir seu cérebro para o robô e, com isto, tornar-se imortal numa
relação corpo-máquina.
Ainda que não venha ao caso aprofundar
aqui esta questão, mas a representação do corpo enquanto máquina já está nos
albores da modernidade. Coube a Descartes celebrá-la sendo acompanhado, mais
tarde por La Mettrie. Entretanto, em ambos fica evidente o caráter metafórico
desta imagem; sua intenção seria fundar uma física que permita analisar o corpo
de forma objetiva, a partir de “sua engrenagem determinada”. Evocá-los como
fundamento filosófico para justificar “uma aventura científica” seria, na
melhor das hipóteses, uma injustiça intelectual. E levar este projeto a cabo,
como fizera o empresário russo, implica em fazer da ciência a alquimia da
pós-modernidade.
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio