quarta-feira, 21 de maio de 2014


UMA LONGEVIDADE DESUMANA
 
Devo confessar que nunca fui um grande admirador de séries, o que não acontece em relação ao cinema. Entretanto, recentemente li uma matéria jornalística sobre três séries de TV que abordam um tema que muito nos interessa: a ressurreição. A matéria se referia às séries Resurrection, In the Flesh e Les Revenants. Todas versam praticamente sobre o mesmo assunto.
Para termos uma ideia do conteúdo dos seriados, um dos episódios da série Resurrection, ambientado no estado do Missouri, passa-se numa igreja. Ali pessoas se reúnem em busca de respostas espirituais acerca de um fenômeno que atormenta os habitantes da cidade de Arcadia. Uma fiel pergunta ao pastor se um garoto chamado Jacob, que morreu há trinta anos e que resolveu reaparecer, exibindo a mesma aparência de criança, deve ser encarado como uma benesse divina. Outra mulher intervém na história, e atribui a aparição a uma obra do demônio. O pastor, também bastante confuso, insiste em não confessar que sua antiga namorada, uma suicida, do mesmo modo voltou da tumba em ótima saúde.
Ao ler esta reportagem, vi-me tentado a associá-la, guardas as devidas proporções, com certa concepção científica que anda por aí. De alguma forma, compreendo nestas séries uma advertência quanto a esta concepção científica. Um tema corrente que tem trazido muito investimento para os centros de pesquisa científica, é a longevidade. Nunca estivemos tão próximos de realizar, ao menos em parte, este nosso anseio por imortalidade. Aliás, não seria nenhum disparate afirmar que a longevidade deu à ciência nuances de best-seller. De alguma forma, por tocar num assunto que cativa o interesse do homem desde a mais tenra infância da humanidade, não seria vão afirmar que a longevidade despertou maior interesse popular pela ciência.
Talvez em nenhum outro período de sua história o homem se preocupou tanto com a imortalidade. E ainda pesa a favor desta sua preocupação o empreendimento hercúleo que a ciência tem despendido neste terreno. Não são poucas as pesquisas que aventam a regeneração de células e a inversão do processo de envelhecimento. O tema rendeu até mesmo o prêmio Nobel a três pesquisadores que, em 2009, descobriram a causa do envelhecimento celular.  Isto para não falarmos de biotecnologia, orientação nutricional, prática de atividades físicas e recurso que permitem superar o estresse.      
Entretanto, convém ressaltar que todos estes avanços tendem a alterar a estrutura física do homem sem, contudo, buscar aperfeiçoá-lo em sua totalidade. Não nego a importância que os avanços científicos têm proporcionado à humanidade; não coloco isto em discussão. O ponto que desejo submeter à reflexão está ligado a um discurso científico que não envida esforços em prolongar a vida, mas que pouca atenção dedica em melhor o humano em sua totalidade. É apenas o corpo que desperta o fascínio, e o discurso científico que se propõe fortalecê-lo, mas pouca questão fazendo de sua interioridade, aliena-se em relação às necessidades mais profundas da alma humana. Daí incorrermos no risco em criarmos espécies de avatares cujo corpo assemelha ao de uma divindade, mas que conserva uma alma doentia e chagada.           
Talvez nos ajude compreender melhor o argumento aqui posto, tomando como exemplo um fato ocorrido há pouco tempo. Um empresário russo patrocinou um grupo de cientistas que resultou na criação de um avatar, um robô com traços humanos. Uma das ideias do empresário seria transferir seu cérebro para o robô e, com isto, tornar-se imortal numa relação corpo-máquina.
Ainda que não venha ao caso aprofundar aqui esta questão, mas a representação do corpo enquanto máquina já está nos albores da modernidade. Coube a Descartes celebrá-la sendo acompanhado, mais tarde por La Mettrie. Entretanto, em ambos fica evidente o caráter metafórico desta imagem; sua intenção seria fundar uma física que permita analisar o corpo de forma objetiva, a partir de “sua engrenagem determinada”. Evocá-los como fundamento filosófico para justificar “uma aventura científica” seria, na melhor das hipóteses, uma injustiça intelectual. E levar este projeto a cabo, como fizera o empresário russo, implica em fazer da ciência a alquimia da pós-modernidade.
 
 
Graça e Paz a todos!
Pr Luis Claudio